Título: Vácuo político leva a radicalismo nos campos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 23/05/2007, Internacional, p. A14

O declínio das instituições políticas tradicionais nos campos de refugiados palestinos no Líbano permitiu o surgimento de grupos militantes dissidentes como o Fatah al-Islam, que desde domingo combate forças libanesas perto do campo de Nahr al-Bared, no norte do país. A popularidade do Islã político cresceu nos campos na última década, com o colapso do processo de paz entre Israel e os palestinos, dizem especialistas.

Por anos, a principal organização política no campo foi a Fatah al-Intifada, uma ramificação do movimento Fatah, de Yasser Arafat. Mas o Fatah al-Islam rompeu com esse grupo em novembro, sob a liderança de Shaker al-Abssi, um foragido palestino que já trabalhou diretamente com Abu Musab al-Zarqawi - líder da rede terrorista Al-Qaeda no Iraque morto em 2006 num ataque americano.

'Hoje há muitas facções palestinas falando, debatendo e não fazendo nada pelo povo', disse Bernard Rougier, autor de Everyday Jihad: The Rise of Militant Islam Among Palestinians in Lebanon (A jihad cotidiana: a ascensão do Islã militante entre os palestinos no Líbano). 'Assim, encontramos muitos grupos locais, com raízes locais, que não podem combater Israel por estar onde estão, mas querem combater algo.'

'O ponto é que esses campos não são mais parte da sociedade palestina', afirmou Rougier, professor da Universidade de Auvergne em Clermont-Ferrand, França. 'Eles são apenas espaços - agora abertos a todas as influências do mundo muçulmano.'

A Cruz Vermelha montou Nahr al-Bared em 1949, para abrigar refugiados do norte da Palestina depois da criação de Israel. Com cerca de 35 mil moradores, esse campo densamente povoado é administrado desde 1950 pela Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Médio.

'LUTA INÚTIL'

Abssi disse em março à agência Reuters que sua principal missão é reformar a comunidade dos refugiados palestinos no Líbano segundo a lei islâmica antes de enfrentar Israel. Condenado à revelia pela morte do diplomata dos EUA Laurence Foley em Amã, Jordânia, em 2002, Abssi defende o assassinato dos americanos que trabalham em países muçulmanos.

Segundo Rougier, Abssi adotou um objetivo e uma mensagem que refletem o declínio da causa palestina como principal motivação dos aspirantes a jihadistas. 'Muitos consideram a Palestina uma luta inútil', disse ele. 'Mudando suas próprias identidades e apresentando-se como guerreiros sunitas, eles também obtêm dinheiro da Arábia Saudita e outras fontes privadas árabes.'

Ali Jarbawi, professor da Universidade de Bir Zeit, na Cisjordânia, afirmou que é difícil saber a natureza política do Fatah al-Islam, pois esse é um dos muitos grupos cuja proliferação reflete a fragilidade institucional do movimento nacional palestino.

'A desintegração no Oriente Médio em geral - do Iraque ao Afeganistão - encoraja essa fragmentação', disse Jarbawi. 'Considere este grupo. Ele possui 200 membros, mas pode ter grande ressonância porque opera num vácuo institucional.'

Jarbawi disse não acreditar que o grupo seja guiado pela Al-Qaeda. Ele suspeita da inteligência síria. Abssi chegou ao campo no fim de 2006, depois de ser libertado da prisão na Síria, e organizou rapidamente uma forte milícia enquanto o presidente sírio, Bashar Assad, resistia aos esforços da ONU para julgar suspeitos do assassinato do ex-primeiro-ministro libanês Rafic Hariri, em 2005.