Título: O bagre, a energia e o clima
Autor: Tolmasquim, Mauricio
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/05/2007, Economia, p. B2

Os principais argumentos levantados para não se conceder a licença ambiental prévia para as Usinas Santo Antonio e Jirau, no Rio Madeira, estão relacionados ao princípio da precaução, por causa dos efeitos potencias dos barramentos sobre a rota migratória dos grandes bagres e do transporte e a deposição de sedimentos. A questão dos sedimentos se trata de condição sine qua non para a verificação da viabilidade das duas usinas - já aprovada pela Aneel. Os estudos comprovam que não haverá problemas para o funcionamento durante a vida útil dos reservatórios, estimada em cem anos. O uso de turbinas do tipo bulbo e o vertedouro de soleira baixa, aliados às características do Rio Madeira, permitirão a continuidade do transporte de sedimentos. No caso dos bagres, os estudos apontam a construção de um mecanismo de transposição de peixes que possibilite a subida das espécies e permita a continuidade de seus movimentos migratórios em direção às cabeceiras do Rio Madeira. O estudo também propôs um processo de verificação contínua do sistema de transposição, projetado de modo que, a partir dos resultados do monitoramento, haja mecanismos de ajuste com o objetivo de melhorar a migração. Os estudos propuseram ainda o acompanhamento do desembarque pesqueiro, fechando o conjunto de ações voltadas à conservação dos peixes. Os novos projetos de geração hidrelétrica são menos impactantes do que o conjunto das usinas que compõem o atual parque hidráulico brasileiro. As usinas do Rio Madeira, particularmente, têm ótima relação entre área alagada e potência instalada. Cada uma delas alaga apenas 0,08 km2 para cada megawatt instalado e, se descontarmos a área relativa à calha do rio, este valor cai para 0,03 km2. As usinas existentes no País alagam em média 0,52 km2 para cada megawatt instalado. O Brasil se destaca no contexto mundial por ter uma matriz energética renovável. A participação das fontes renováveis na matriz brasileira é de 44,5%, ante 13,3% na matriz mundial e apenas 6% na do conjunto de países que compõem a OCDE. Em conseqüência disso, as emissões de gás carbônico provocadas pelo consumo de energia - principais responsáveis pelas mudanças climáticas - são muito menores aqui. Para cada tonelada equivalente de petróleo consumida no Brasil é emitida apenas 1,58 tonelada de gás carbônico, enquanto no resto do mundo este valor é 50% superior (2,37 toneladas). Duas fontes explicam o caráter renovável da matriz energética brasileira: a cana-de-açúcar e a energia hidráulica. A hidreletricidade representa 85% da geração de energia elétrica do País. Mesmo com a eventual construção das usinas do Rio Madeira, Belo Monte e outros grandes empreendimentos na Região Norte, a participação hídrica no perfil da oferta no setor elétrico brasileiro deve cair para cerca de 70% nos próximos dez anos. Graças às dificuldades crescentes para licenciar hidrelétricas no Brasil, este cenário pode ser muito pior. Um eventual não licenciamento de Santo Antonio e Jirau abriria espaço para a não aprovação das demais usinas constantes no Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica. Isso porque as usinas do Madeira são paradigmáticas, pois possuem um conjunto de qualidades que dificilmente será encontrado em outros projetos do mesmo porte: pequena área alagada, impacto ambiental reduzido e grande volume de geração. A não construção das usinas do Rio Madeira, de Belo Monte e de outras hidrelétricas da Região Norte traria conseqüências energéticas e ambientais indesejáveis. No que tange à energia, a participação da hidreletricidade em 2016 cairia de 70% para apenas 56%. O resultado seria uma emissão potencial adicional de gás carbônico de 176,7 milhões de toneladas, o que equivale a três vezes o que o setor elétrico brasileiro emitiria hoje se todas as termoelétricas existentes fossem despachadas ininterruptamente. Certamente os riscos para o meio ambiente, relacionados a problemas não comprovados em relação a sedimentos e à rota migratória dos grandes bagres, são muito menores do que a certeza do aumento das emissões provocado por uma eventual decisão de não construir as usinas hidrelétricas do Rio Madeira. Isso sem considerar todos os danos sobre o custo da geração de energia, o desenvolvimento econômico e a segurança energética do País.