Título: As exorbitâncias da PF
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/05/2007, Notas e Informações, p. A3

O combate à corrupção, por mais exigido que seja pela sociedade, como é neste momento, não pode justificar a ruptura da legalidade por parte dos poderes públicos, ou a utilização de métodos ditatoriais de investigação, que nos são de tão triste memória. Não resta dúvida de que a impunidade, reinante nos mais amplos setores da vida nacional - públicos e privados - e em todas as esferas e instâncias de Poder, é uma de nossas mais tenebrosas chagas sociais. Mas nem a justa ansiedade por descobrir e desbaratar redes criminosas, que dilapidam o patrimônio público por métodos os mais execráveis, autoriza os órgãos do Estado, encarregados da repressão ao crime, a ultrapassar os limites de atuação fixados no Estado Democrático de Direito, em favor dos direitos da cidadania.

Estas considerações vêm a propósito da movimentação de advogados criminalistas contra a autorização, por parte do Poder Judiciário, de métodos que consideram arbitrários, usados pela Polícia Federal (PF) em grandes operações, como a Operação Navalha ora em curso. Em documento assinado por 12 criminalistas, encabeçados por Antonio Cláudio Mariz de Oliveira - entregue ao presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Raphael de Barros Monteiro Filho -, os advogados protestam contra ¿a forma açodada e descriteriosa (sic) com que o Judiciário tem deferido medidas de força¿, apontando vários aspectos em que, na sua opinião, as investigações são procedidas de forma arbitrária. Afiançam que o direito garantido ao preso de saber os motivos de sua prisão ¿está sendo reiteradamente descumprido¿ em todas as operações da Polícia Federal autorizadas por juízes federais.

O advogado Alberto Zacharias Toron, diretor do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), afirmou (Folha de S.Paulo de 23/5) ser ¿inaceitável que em pleno período democrático se utilizem práticas que lembram o período da ditadura militar: a invasão de escritórios de advocacia, não porque haja cocaína nesses locais, mas para facilitar a obtenção de provas¿. Condena, também, ¿a decretação de prisões temporárias a granel, sem qualquer parcimônia¿, descrevendo assim as cenas tão vistas nos telejornais: ¿decreta-se a prisão temporária, a Polícia Federal exibe o preso como um troféu, algemado desnecessariamente, e o exibe em horário nacional¿, concluindo: ¿pior é ver a polícia dar informações à imprensa, que as divulga em horário nobre, e os advogados não terem acesso aos autos¿.

Reconheça-se, além disso, que o conhecimento dos motivos da própria prisão e o acesso aos autos em que se é processado constituem a base fundamental sem a qual não pode assentar-se o direito de defesa, ínsito ao Estado Democrático. Também é de todo dispensável - tanto quanto reprovável - a encenação espetaculosa das prisões e algemas, que parecem mais destinadas a elevar, de forma apelativa, os índices de audiência dos telejornais - para o que contribuem agentes públicos muito chegados a um holofote. Mas os advogados também questionaram um outro ponto em que devemos fazer restrições a suas razões. Referimo-nos aqui à escuta telefônica.

Sem dúvida alguma, a grande facilidade tecnológica, de hoje em dia, para se fazer ¿grampeamentos¿, monitoramentos de comunicação e flagrantes por meio de câmeras secretas tem revolucionado as investigações policiais - aqui e em todo o mundo. As escutas levadas a efeito pela Polícia Federal, que nos últimos tempos têm permitido o progressivo devassamento de toda a imensa torrente corruptora nacional, decorrem de autorizações judiciais, concedidas após a apresentação, à Justiça, de indícios e suspeitas capazes de convencer os magistrados. Claro está que nisso os magistrados devem observar a devida cautela, tanto quanto na expedição de mandados de prisão, pois não podem extrair suas suspeitas de indícios sem qualquer consistência. Por outro lado, o que os últimos escândalos têm demonstrado é que a esmagadora maioria de autorizações judiciais de escuta tiveram sua razão de ser - pelo que não se pode dispensar essa poderosa arma de investigação.

Seja como for, é fundamental que a impunidade seja combatida com todos os recursos disponíveis - especialmente os de inteligência -, justamente para que não se repita o arbítrio dos piores tempos institucionais que, felizmente, já deixamos de há muito para trás.