Título: Os lucros da defesa sanitária
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Fonte: O Estado de São Paulo, 24/05/2007, Notas e Informações, p. A3

O Brasil faturou US$ 8,52 bilhões com a exportação de carnes no ano passado. Poderia ter faturado muito mais, se o produtor nacional não enfrentasse barreiras comerciais em vários mercados importantes. A maior parte dessas barreiras é imposta, com ou sem razão, por motivos sanitários. Por isso, o reconhecimento de qualidade pela Organização Mundial de Saúde Animal pode resultar em centenas de milhões de dólares a mais - talvez bilhões - na receita comercial brasileira. Há excelentes motivos para se comemorar, portanto, a classificação de Santa Catarina, oficializada na terça-feira, como área livre de aftosa sem vacinação.

Pela primeira vez um Estado brasileiro alcançou esse status, obtido depois de 14 anos sem registro de foco da doença. No mesmo dia a organização reconheceu o centro-sul do Pará como zona sem aftosa, mas dependente de vacinação.

Santa Catarina lidera a produção brasileira de suínos. Em 2006, apesar do embargo imposto aos produtos de vários Estados, o Brasil foi o quarto maior exportador mundial de carne de porco, superado por União Européia, Canadá e Estados Unidos. Com o novo status, produtores catarinenses poderão disputar novos mercados e ficar menos dependentes da Rússia e de alguns poucos grandes compradores, comentou o presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), Pedro Camargo Neto.

Ele mesmo comandou, há alguns anos, num organismo vinculado à Secretaria da Agricultura de São Paulo, o trabalho de erradicação da aftosa do território paulista. Esse esforço resultou na obtenção, pelo Estado, da classificação como área livre de aftosa, mas ainda com vacinação obrigatória. São Paulo e mais dez Estados perderam esse status, no entanto, depois do surgimento de focos de aftosa em Mato Grosso do Sul, no segundo semestre de 2005.

Recobrar essa classificação para os 11 Estados é o próximo alvo do Ministério da Agricultura, mas, para atingi-lo, o governo federal terá de cuidar do assunto muito mais seriamente do que nos últimos anos. O reaparecimento da doença em Mato Grosso do Sul resultou de um escandaloso desleixo das autoridades federais e estaduais. Faltou controle tanto da vacinação de rebanhos quanto do trânsito de animais pela desguarnecida fronteira ocidental do Estado.

O surto resultou na perda de mercados e no rebaixamento do status de várias zonas produtoras. Mas a lição foi insuficiente. Nos anos seguintes, o Ministério da Agricultura continuou recebendo menos dinheiro que o necessário para os programas de sanidade animal. Neste ano, as verbas novamente ficaram retidas e só começaram a ser liberadas há pouco tempo.

O controle da aftosa, no Brasil, depende não só de um intenso trabalho de vacinação e de controle do rebanho nacional, mas também da fiscalização de fronteiras e da cooperação com os países vizinhos.

O governo tem tomado algumas iniciativas para essa cooperação, incluída a transferência de recursos para a vacinação de gado na Bolívia. Fez agora um acordo com o Paraguai. Mas isso não basta, pois não há controle suficiente do uso desse dinheiro. É preciso fazer muito mais e descobrir meios para a adoção de uma séria política regional de defesa sanitária, com participação de todos os países vizinhos.

O governo brasileiro tem mostrado boa vontade, às vezes até excessiva, quando se trata de apoiar os interesses comerciais de outros países sul-americanos. Nem sempre os interesses comerciais do Brasil são corretamente avaliados. Um programa conjunto de saúde animal pode resultar em benefícios mais equilibrados para todos, se for conduzido de forma competente e com os necessários controles.

O combate à aftosa e a outras doenças nos países vizinhos pode aumentar a segurança da produção animal no Brasil e beneficiar a economia de toda a região. Mas nenhuma política irá adiante se as autoridades brasileiras não atribuírem à defesa sanitária, no território nacional, o status de atividade essencial e não sujeita a cortes de verbas. Qualquer desleixo nessa área pode custar centenas de milhões de dólares e comprometer o esforço dos produtores mais modernos e mais competentes. Isso já ocorreu mais de uma vez e é preciso evitar a repetição dos erros.