Título: O fracasso do programa espacial
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/06/2007, Notas e Informações, p. A3

Em 1979, quando os militares no governo ainda alimentavam a ilusão do projeto Brasil Potência, foi criada a Missão Espacial Completa Brasileira. O objetivo da missão era colocar o Brasil na era espacial e suas metas pareciam facilmente alcançáveis: colocar em órbita satélites brasileiros, lançados por foguetes brasileiros a partir do território brasileiro. Em 1997, esse programa foi acrescido de um apêndice - a produção de componentes para a Estação Espacial Internacional (ISS), um projeto que envolve 16 países sob a coordenação da Nasa norte-americana. Esse programa deveria formar e capacitar cientistas e técnicos nas disciplinas e atividades relacionadas com as ciências espaciais; capacitar a indústria nacional para produzir novos materiais com técnicas que seriam absorvidas na produção de bens de consumo; e colocar o Brasil no seleto clube dos países capazes de produzir e lançar satélites e veículos orbitais.

Vinte e oito anos depois, o que se tem é uma coleção de êxitos parciais e de fracassos fragorosos. O último acaba de nos ser lembrado pelo diretor do Instituto de Políticas Espaciais da Universidade George Washington, John Logsdon. Em entrevista publicada segunda-feira no Estado, ele revela que o Brasil já não faz parte do projeto da Estação Espacial Internacional. A Nasa não tomará a iniciativa de romper formalmente o contrato com a Agência Espacial Brasileira, mas o Brasil já não aparece mais nos documentos da agência americana como membro da parceria internacional.

E a razão é simples. Desde 1997, o Brasil não forneceu ¿um único parafuso¿ para a estação. Comprometeu-se, inicialmente, a fornecer componentes de baixa complexidade tecnológica - que poderiam perfeitamente ser construídos pela indústria nacional - a um custo de US$ 120 milhões. Quase vencido o prazo de entrega, renegociou a encomenda, reduzindo a sua participação. Mas nem isso foi cumprido. Logsdon deixa claro que a Nasa - de cujo Comitê de Assessoramento é membro - também não recebeu bem a decisão do governo brasileiro de pagar US$ 20 milhões para que o astronauta Marcos Pontes fizesse um vôo espacial num foguete russo - vôo, aliás, que não teve méritos científicos ou objetivos práticos, não passando de um lance publicitário do governo Lula.

Mas não foi só em relação à ISS que o programa espacial brasileiro produziu resultados pífios. O Centro de Lançamento de Alcântara, construído no governo Sarney para ser usado por parceiros do Brasil no lançamento de satélites - o que renderia royalties e aquisição de tecnologias -, apenas serviu para disparar alguns foguetes de sondagem. Um acordo de utilização assinado com os Estados Unidos durante o governo Fernando Henrique - quando se acreditava no lançamento em série de satélites de comunicações - foi vetado pelo Congresso, graças à atuação do PT. E acordo semelhante, assinado com a Ucrânia, não saiu do papel.

O Brasil conseguiu fabricar e lançar com sucesso alguns foguetes de sondagem. Mas o Veículo Lançador de Satélites (VLS) não teve essa sorte. O primeiro teve problemas com o motor do primeiro estágio. O segundo, lançado em 1999, foi destruído em vôo, por apresentar defeitos. E o terceiro explodiu na plataforma de lançamento, em Alcântara, em 2003, matando 21 cientistas e técnicos.

Mas o Brasil adquiriu razoável capacidade para produzir satélites. Dois satélites de coleta de dados ambientais foram construídos e colocados em órbita por foguetes americanos. Outros dois, de sensoriamento remoto, foram construídos em colaboração com a China e também colocados em órbita, em foguetes fornecidos pelo parceiro. Mais dois satélites desse tipo, mais aperfeiçoados, estão em construção e projeto. Mas o governo, ao que tudo indica, abandonou o projeto de construção de satélites de comunicação.

Esses fracassos e êxitos parciais não se devem à incapacidade dos cientistas nem a deficiências da base industrial brasileira. Na verdade, no final da década de 1980 e início dos anos 90, houve notável êxodo de cientistas e técnicos brasileiros para o exterior. O que determinou a virtual falência da Missão Espacial Completa Brasileira foi a falta de empenho do governo, que se traduziu pela escassez de verbas. Os projetos que receberam um pouco mais tiveram algum resultado. Mas a conta do fracasso ainda está para ser levantada.