Título: Uma CPI chega à Infraero
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/06/2007, Notas e Informações, p. A3

O depoimento do procurador federal Lucas Furtado, que representa o Ministério Público no Tribunal de Contas da União (TCU), na CPI do Senado sobre o apagão aéreo, na quarta-feira, mostra por que a sua congênere da Câmara, amplamente dominada pela base governista, relutou em incluir na sua pauta as suspeitas de corrupção pesada na Infraero, a estatal responsável pela administração dos aeroportos brasileiros. O pretexto para a relutância foi a especiosa alegação - repetida pelo presidente Lula na sua entrevista coletiva de 15 de maio - de que eventuais erros ou irregularidades na gestão da rede aeroportuária nada têm a ver com a questão maior da segurança de vôo no País, razão de ser da investigação legislativa. (Esta só saiu, é bom lembrar, porque os deputados da oposição recorreram ao Supremo Tribunal Federal contra o engavetamento de sua iniciativa e obtiveram ganho de causa.)

A segunda esperteza da cúpula da CPI da Câmara, no seu evidente afã de separar as malfeitorias na Infraero da crise do sistema de controle do tráfego aéreo doméstico, foi a de remeter para agosto, depois do recesso de meio de ano e pouco antes do período destinado ao preparo e votação do relatório final do inquérito, o exame das denúncias de desmandos na empresa que, segundo depoimento do procurador, arrecadou nos três primeiros meses do ano R$ 915 milhões em taxas (dos quais diz ter ficado com R$ 600 milhões). Mesmo quando parece agir com objetividade, a maioria lulista na Câmara mostra o seu jogo. Assim, enquanto aceitava aprovar, um mês após a instalação da CPI, a convocação do atual presidente da Infraero e dos seus quatro últimos antecessores, impediu que também fosse chamada a depor a diretora de Engenharia Eleuza Therezinha Lopes, na mira do Ministério Público por suspeitas de fraude em licitações no Aeroporto de Congonhas.

Já no Senado, onde a vantagem do Planalto é menor, a atitude da comissão é outra - e o primeiro resultado de vulto foi precisamente a oitiva do procurador Lucas Furtado. Com base nas auditorias do TCU, ele fez contundentes acusações à Infraero, ¿uma caixa-preta em todos os sentidos¿. Ainda assim, os auditores teriam conseguido apurar que, desde 2000, a estatal deixou de repassar à Aeronáutica mais de meio bilhão de reais. A empresa se apressou a contestar a informação, mediante nota em que empilha valores absolutos e porcentagens, além de assinalar que o plenário do TCU ainda não se pronunciou a respeito. O fato crucial é que os repasses dos recursos arrecadados pela Infraero se destinam, em primeiro lugar, à manutenção e à modernização do sistema de controle de vôos - o que liga indissoluvelmente uma coisa à outra. O problema maior do sistema, apontou Furtado, não é o contingenciamento de verbas: ¿É a Infraero.¿

O que já veio à luz sobre a politicagem e a sangria na estatal - com as suas licitações fraudulentas, redução de exigências para as empresas contratadas, pagamentos de monta por serviços fictícios e os superfaturamentos de praxe - manda tratar com a máxima seriedade o depoimento do procurador adido ao TCU. Algumas de suas passagens são estarrecedoras. Por exemplo, obras em Guarulhos que a Infraero calculou que custariam R$ 1 bilhão, acabaram orçadas em R$ 104 milhões, depois de auditadas pelo tribunal. O desperdício - por desídia ou algo pior - tangencia o absurdo. Segundo Furtado, a empresa tem prejuízo de R$ 100 milhões apenas com o aluguel de carrinhos de bagagem nos aeroportos. O ¿cartel que domina todas as áreas de embarque¿ cobra da Infraero ¿valores exorbitantes, muito superiores aos que paga ao fornecedor¿.

Cartéis controlam, portanto, também a concessão de espaços para comércio e publicidade nos aeroportos, como alertou o procurador. Isso dificilmente seria possível sem a conivência ou o proveitoso envolvimento da diretoria comercial da empresa, responsável por todas as concessões nos aeroportos, incluindo, além das citadas, a dos postos de abastecimento de combustível. Se os governistas da CPI da Câmara pouparam a área de Engenharia da Infraero, igualmente comprometida, espera-se pelo menos que a comissão do Senado vá fundo nas maracutaias desse outro setor, onde as oportunidades de ganhos ilícitos são notórias.