Título: Amorim admite mal-estar com Chávez
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/06/2007, Internacional, p. A19

As relações diplomáticas entre Brasil e a Venezuela estão 'fora da normalidade', admitiu ontem, em Londres, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim - reforçando a aparente inconformidade do governo brasileiro em relação às críticas feitas pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ao Congresso brasileiro. Na quinta-feira, em Caracas, Chávez definiu o Parlamento de Brasília como 'papagaio de Washington'. Em entrevista coletiva, Amorim mostrou-se indeciso entre definir as declarações de Chávez como 'um incômodo' ou 'uma preocupação'.

O ataque de Chávez ao Congresso foi desferido na quinta-feira, em resposta a uma moção da Comissão de Relações Exteriores do Senado que exortava seu governo a rever a não renovação da concessão de funcionamento para a emissora RCTV, que saiu do ar no domingo passado. 'A esses representantes da direita brasileira eu digo: muito mais fácil seria que o império português voltasse a se instalar no Brasil do que o governo da Venezuela devolvesse a concessão a esse canal.'

Em Londres, Amorim reiterou que a interferência de autoridades estrangeiras em instituições brasileiras não é apropriada. 'A independência, a dignidade, os princípios democráticos e nacionais do Congresso brasileiro não podem estar e não estão nunca em jogo. Certamente, não é apreciável que uma autoridade estrangeira, seja ela qual for, se manifeste sobre nosso Congresso. Minha expectativa, é a de que todos os arroubos retóricos possam refluir e as relações possam voltar à normalidade. Isso exige capacidade de contenção de todos.'

Indagado sobre qual seria a melhor definição para o desentendimento, o chanceler hesitou: 'A retórica pode ter saído (da normalidade). Mas isso é uma coisa que às vezes dura um dia, dois dias. É uma nuvem que passa. Veremos.'

Na sexta-feira, em Londres, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi cauteloso, mas rebateu as críticas de Chávez. 'Todos nós somos adultos e cada um tem responsabilidade pelo que fala. Eu penso que o Chávez tem de cuidar da Venezuela, que eu tenho de cuidar do Brasil, que o Bush tem de cuidar dos EUA e assim por diante. Cada país faz tudo da forma mais soberana que puder.'

A ebulição diplomática chegou ao ápice minutos depois, quando o Ministério das Relações Exteriores convocou o embaixador venezuelano em Brasília, Julio García Montoya, a explicar as declarações. Em nota oficial, o Itamaraty usou termos mais duros que o presidente: 'O presidente Lula reafirmou seu total apoio às instituições brasileiras e expressou repúdio a manifestações que ponham em questão a independência, a dignidade e os princípios democráticos, que norteiam essas instituições.'

Amorim não deu detalhes sobre o a conversa entre García Montoya e o diplomata brasileiro Ruy Nogueira. Um relato por telefone foi feito imediatamente ao chanceler na noite de sexta-feira. De acordo com o chanceler, Chávez não telefonou para Lula. Indagado sobre se o líder venezuelano havia ligado a alguma outra autoridade brasileira, Amorim encerrou a coletiva: 'O que tenho a dizer no momento é isto.'

Em Caracas, na sexta-feira à noite, o chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, pediu 'aos partidos de direita' dos Parlamentos do Brasil e da Espanha - que também se manifestou contra o fechamento da TV - que se abstenham de fazer comentários sobre assuntos internos de seu país.