Título: A falta de diálogo e também de rigor
Autor: Medauar, Odete
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/06/2007, Vida&, p. A29
A Constituição Federal, no art. 207, assegura, às universidades, autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. A autonomia universitária encontra justificativa sobretudo na liberdade de ensinar, aprender e pesquisar, na livre circulação de idéias e informações, sem direcionamentos e catequeses de qualquer natureza.
O tema da autonomia universitária esteve presente na imprensa nos últimos dias, principalmente em virtude da invasão e ocupação da reitoria da USP por um grupo de alunos, em protesto contra expressões e dispositivos constantes de cinco decretos editados pelo governador José Serra (e também visando ao atendimento de pedidos aleatórios).
Em 29 dias autoridades e reitores afirmavam, num extremo, a não incidência dos decretos nas universidades. Em outro extremo, grupo de estudantes, funcionários e professores valeu-se de truculência, tanto na ocupação da reitoria, quanto em piquetes e no desrespeito a ordem judicial (atitudes opostas à liberdade subjacente à autonomia universitária e ao Estado de Direito). Muitos alunos, docentes e funcionários, embora contrários aos decretos, buscaram outros meios de protesto.
A publicação, em 31 de maio, de decreto declaratório, oficializou manifestações governamentais anteriores no sentido da não incidência no âmbito das universidades, tornando-se clara a inexistência de risco à autonomia. Resta, aos estudantes, retirar-se de prédios ocupados e voltar às aulas.
Esses fatos trouxeram à baila inúmeras questões relativas às universidades públicas, além da autonomia, como o custo do aluno e a transparência dos gastos. Em entrevista publicada no Estado de 28 de maio último, o professor Roberto Romano apontou a habitual ausência de diálogo do Executivo, de um lado, e a falta de rigor, por parte das universidades, no trato dos seus assuntos internos, de outro. Se há problemas nas universidades, que seus dirigentes busquem soluções. A título de exemplo, pode-se mencionar a excessiva burocratização e centralização em detrimento das atividades-fim: por que não se enxugam estruturas e se reduzem os trâmites de papéis? Por que assuntos passam por quatro ou mais instâncias antes da decisão final? Por sua vez, se o governo do Estado pretende engrandecer as universidades paulistas e incentivar a pesquisa o caminho será, sobretudo, o diálogo com reitores, especialistas e estudantes, sem ingerências ou pressões.
E se houve conotações políticas ou exploração política nas manifestações ante os decretos, um chefe de Executivo, que é político e foi líder estudantil, sabe que em qualquer fato pode haver aspecto político e que uma das decorrências da autonomia universitária é o pluralismo na vida acadêmica, embora este não possa justificar truculência e atos de vandalismo.