Título: Dobradinha Brasil-Índia age em quatro frentes
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/06/2007, Economia, p. B9

A visita de 55 horas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Nova Délhi, entre hoje e terça-feira, responde à estratégia de reforçar a dobradinha Brasil-Índia em quatro frentes internacionais. Os governos Lula e do primeiro-ministro Manmohan Singh preparam-se para revigorar a parceria para esta fase final da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), a inclusão de biocombustíveis na matriz energética de boa parte do planeta, a adesão da Índia a compromissos internacionais na área nuclear e o ingresso de ambos os países como membros-permanentes de um Conselho de Segurança das Nações Unidas reformado. A data da visita nada tem de ocasional. Trata-se do reflexo do calendário estratégico que os dois países têm pela frente.

Lula e Singh voltam a se encontrar nos dias 7 e 8, na Alemanha, para marcar a reunião de Cúpula do G-8, o grupo das economias mais industrializadas somado à Rússia, com os apelos do mundo em desenvolvimento em favor da conclusão de um acordo agrícola ambicioso na Rodada Doha e da disseminação de biocombustíveis, com a necessária redução das barreiras tarifárias a esses produtos.

Ambos os temas têm como fundamento moral o combate à pobreza, à mudança climática e às práticas desleais no comércio. Tornaram-se bandeiras da política exterior dos dois países, que já atuam em afinação nas negociações da OMC e que tendem, a partir desta visita, a estreitar a cooperação para a produção de etanol e a abertura desse mercado ainda superprotegido.

Lula e Singh deverão encontrar no G-8 um ambiente favorável a suas advertências. Na última quinta-feira, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, baixou a resistência e convocou os 15 países mais poluidores do mundo a abraçar metas de redução da emissão de gases. Também vem dos americanos uma rara disposição de negociar a conclusão da Rodada Doha. Ainda em junho, de 19 a 22, EUA, União Européia e, outra vez, a dobradinha Brasil-Índia tentarão fechar o acordo final da Rodada Doha.

A aposta indobrasileira e do restante do G-20, o grupo de países em desenvolvimento que negocia em conjunto o capítulo agrícola e que é co-liderado pelo Brasil e pela Índia, está concentrada em um possível gesto político das economias mais desenvolvidas durante a Cúpula do G-8 que garanta um acordo agrícola capaz de trazer real abertura dos mercados europeus e um bom corte nos subsídios aos agricultores americanos.

'A convergência das posições ainda é lenta. Mas há algum avanço, e os americanos se mostram mais encorajados a negociar', afirmou o ministro Roberto Azevêdo, subsecretário-geral de Assuntos Econômicos e Tecnológicos do Itamaraty e principal negociador brasileiro. 'Do G-8 pode sair um sentido político para a conclusão da Rodada.'

Na outra frente internacional, Lula e o primeiro-ministro Singh deverão discutir a estratégia do chamado G-4, formado pelo Brasil, Índia, Alemanha e Japão, para angariar apoios para a aprovação de sua proposta de reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU). Em princípio, o quarteto trabalhará nos próximos três meses para que o tema seja definido na abertura da sessão de trabalhos da Assembléia Geral da ONU, em setembro.

O G-4, a rigor, reúne os argumentos necessários para sua inclusão entre os membros permanentes. Mas ainda enfrenta resistências de ordem política de pesos-pesados - a China e as duas Coréias não querem o ingresso do Japão, o Paquistão não pretende ver a Índia nessa posição, países europeus atuam contra a ascensão da Alemanha, o Brasil se vê boicotado por vizinhos latino-americanos e os EUA são favoráveis apenas à inclusão do Japão. Para forçar sua posição e atingir seu objetivo por meio dos votos, o G-4 precisa conquistar o apoio dos 53 países da África e evitar que joguem uma nova pá de cal nos seus esforços, como aconteceu em agosto de 2005.