Título: Os vendedores de empresas entram na roda da fortuna
Autor: Cançado, Patrícia e Grinbaum, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/06/2007, Economia, p. B14

O elevado volume de dinheiro em circulação criou uma onda de negócios nunca antes vista e revelou novos personagens do capitalismo no Brasil. São empresários que passaram a ser assediados por grandes grupos ou fundos de participações (private equity) e venderam seus negócios na alta. Se antes eles tinham patrimônio, hoje têm dinheiro no bolso, seja para investir em novos negócios ou melhorar o padrão de vida.

A compra da participação dos minoritários da Usina Vale do Rosário por cerca de R$ 800 milhões pôs a conta bancária de uma centena de fazendeiros do interior de São Paulo em outro patamar. Muitos ficaram milionários. Compraram fazendas, trocaram o carro e começaram a viajar mais.

O fazendeiro Aloísio Almeida Prado, por exemplo, não fazia idéia de que a sua pequena participação (cerca de 1,9%) na Vale do Rosário valia tanto dinheiro no mercado. ¿Só lembrava o quanto eu tinha na empresa quando ia fazer a declaração do Imposto de Renda¿, conta o agrônomo paulista, de 63 anos, neto de um dos fundadores da empresa. ¿Eu imaginava que a usina valeria dez vezes menos.¿

Parte do dinheiro recebido foi dada aos filhos. ¿Dei upgrade na família¿, brinca ele, detalhando que a filha comprou uma casa nova e o filho se prepara para casar. Além disso, Prado usou o capital para investir na pecuária. ¿Minha fazenda estava meio vazia, então resolvi comprar uns bois¿, comenta ele, que é pecuarista em Mato Grosso e plantador de cana em São Paulo.

Outra parte dos recursos está aplicada no mercado financeiro. ¿Hoje, eu sou turista, só vou à fazenda para dar palpite, igual a um consultor¿, diverte-se, explicando que agora quem cuida dos negócios é o filho.

Em outros tempos, os acionistas não teriam a mesma sorte. A operação só foi fechada porque o Bradesco liberou empréstimo de R$ 1,2 bilhão para os compradores, algo impensável alguns anos atrás, com inflação e juros estratosféricos.

A expectativa da Vale do Rosário é abrir o capital na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Com o dinheiro que levantar, poderá comprar novas usinas e beneficiar outros empresários. A Bovespa virou fonte poderosa e barata de financiamento para empresas.

EMISSÕES

Só neste ano, as companhias já captaram R$ 30,8 bilhões em emissões de ações, o dobro do volume de todo o ano de 2006. Até maio, 21 empresas haviam feito sua oferta pública inicial de ações (IPO), três vezes superior ao número de 2004, quando a Bolsa iniciou esse ciclo de prosperidade.

Após uma década de marasmo na construção civil, o engenheiro carioca Rogério Zylbersztajn enxergou nesse momento a oportunidade de vender bem sua empresa, antes que a concorrência acabasse com ela. A RJZ foi a primeira construtora a ser comprada pela Cyrela após o IPO.

No começo de 2006, Zylbersztajn, de 44 anos, vendeu sua empresa por R$ 158 milhões, embolsou um terço e converteu a outra parte em ações da companhia. Foi um bom negócio. A Cyrela vale hoje R$ 8 bilhões, seis vezes mais que no lançamento das ações, em 2005.

O contrato de venda da RJZ tem se tornado cada vez mais comum. Zylbersztajn se comprometeu a ficar mais de uma década no comando da Cyrela no Rio de Janeiro. ¿Esse é um novo modelo de aquisição: o comprador leva também o dono, que é um ativo importante¿, diz o advogado Francisco Müssnich, do escritório Barbosa, Müssnich e Aragão.

Ao contrário da maioria dos vendedores, Zylbersztajn manteve a rotina praticamente inalterada. Ele cumpre uma jornada pesada de trabalho e ainda ganhou um chefe. ¿Nas decisões mais importantes, tenho de consultar o Elie (Horn, fundador e controlador da Cyrela)¿, diz. ¿Mas isso não me incomoda porque ele é mais experiente que eu.¿ Por outro lado, ele virou um dos cinco executivos de confiança de Elie Horn.

A recente trajetória do engenheiro da RJZ traduz o dilema de muitas empresas na era da globalização. Como a roda dos negócios está girando cada vez mais rápido, quem não compra um rival pode tornar-se alvo de uma oferta. ¿É um lado meio cruel desse novo ciclo do capitalismo. Não tem muito lugar para pequenas e médias empresas. As menores não têm fôlego para competir¿, diz a professora de finanças da Fundação Dom Cabral, Virgínia Oliveira. ¿A consolidação é o caminho para ter escala e conseqüentemente um produto mais competitivo e mais capacidade de investimento¿, diz o sócio da PricewaterhouseCoopers, Raul Beer.

O empresário Omilton Visconde Júnior tinha duas opções para fazer o seu laboratório sobreviver no concorrido mercado de medicamentos: ou comprava um concorrente ou se associava a ele. Não ficou com nenhuma das duas. ¿O ideal era uma fusão, mas apareceu uma proposta irrecusável de venda¿, conta o filho do fundador do Biosintética.

No fim de 2005, o laboratório foi vendido ao Aché por R$ 600 milhões. ¿Depois da venda, choveu telefonema de empresas querendo administrar nosso dinheiro e fundos interessados em investir conosco em novos negócios.¿

Visconde descartou a renda fixa por conta da queda dos juros e está aplicando o dinheiro no que mais conhece: a indústria farmacêutica. Seu primeiro investimento foi a compra do controle da Prevsaúde, que deve faturar R$ 25 milhões este ano. Além disso, ele reativou uma antiga fábrica de soro da família. Em maio, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprovou um crédito de R$ 45 milhões para a empresa, com garantia do patrimônio líquido dos donos. O dinheiro vai para a modernização da fábrica.

O carioca Yuryi Ferber e seu sócio Diether Müller não chegaram ao extremo de vender toda a YMF, mas se desfizeram de 80% das ações para continuar crescendo no mesmo ritmo. A decisão ficou clara quando os empresários, que já dominavam o mercado doméstico de softwares para a área financeira, tentaram explorar o mercado internacional. ¿Percebemos que podíamos nos capitalizar e ficar mais fortes lá fora¿, diz Ferber, de 44 anos.

Há dez dias, a Datasul, capitalizada graças à entrada na Bovespa, pagou R$ 43 milhões pelo controle da YMF. Os sócios minoritários receberam o dinheiro e se transformaram em diretores da Datasul. Já Ferber e Müller continuam no comando da YMF e ainda são acionistas da Datasul.