Título: Explosão da Bolsa de Valores cria nova geração de capitalistas
Autor: Cançado, Patrícia e Grinbaum, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/06/2007, Economia, p. B14

Alguns meses antes do atentado de 11 de setembro de 2001, o empresário Constantino Júnior, fundador da Gol, recebeu cinco telefonemas de um sujeito da AIG. No quinto, ele atendeu. Do outro lado da linha, ao contrário do que imaginava, não estava um corretor de seguros, mas sim um executivo do mercado financeiro querendo comprar uma participação na sua recém-criada companhia aérea. As conversas se estenderam até fevereiro de 2003, quando a americana AIG Capital aplicou US$ 26 milhões na empresa. No ano passado, ela vendeu seu último lote de ações na Gol e, ao final, ganhou dez vezes o que investiu.

A história da Gol é emblemática porque abriu caminho para um novo ciclo do capitalismo brasileiro. Em 2004, quando a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) estava abandonada, Gol, ALL e Natura foram as primeiras empresas de porte a abrir capital e indicar um modo diferente de financiar os negócios no Brasil. No final de 2003, o valor total das empresas listadas na Bolsa era de apenas US$ 234 bilhões. Na sexta-feira, esse número ultrapassou pela primeira vez a marca de US$ 1 trilhão. 'Não me lembro de ter vivido um momento como esse. Até então, a regra era grandes grupos industriais serem dependentes dos empréstimos do BNDES', diz Claudio Haddad, presidente do Ibmec.

E não é só na Bolsa que o mundo de negócios brasileiro está se renovando. O número de fusões e aquisições bate recordes sucessivos. Nos quatro primeiros meses do ano, o volume de transações atingiu US$ 22,7 bilhões, praticamente igual a todo o ano de 2004. A previsão é que os negócios movimentem US$ 100 bilhões em 2007. No mundo, o volume de fusões e aquisições já ultrapassou US$ 2 trilhões este ano.

Esse fenômeno é fruto da abundância internacional de recursos para investimentos, da estabilidade da economia brasileira e da iniciativa de alguns executivos e empresários que souberam enxergar antes e apostar nessa mudança. O homem dos telefonemas da AIG é parte desse time. O nome dele é Fernando Borges, e há sete anos ele dirige o fundo de private equity da AIG no Brasil. 'A gente entrou na Gol quando o mercado estava parado. A venda de ações da Gol, da Natura e da ALL ajudou a criar esse mercado. Quem investiu nelas ganhou dinheiro', diz Borges.

Esses executivos pertencem a uma geração que tem hoje entre 40 e 50 anos, foi formada na cultura agressiva dos bancos de investimentos internacionais, com uma capacidade de análise da economia que vai além dos números. Boa parte deles saiu do antigo Banco Garantia, do hoje empresário Jorge Paulo Lemann, ou foi influenciada por ele. O sucesso estrondoso e a crise do Garantia, em 1998, são divisores de água para os homens que estão fazendo a roda dos negócios girar mais rápido no Brasil.

AGRESSIVIDADE

A principal empresa de investimentos em participações (private equity) do País, a GP, foi criada por antigos sócios do Garantia. Ela abriu seu primeiro fundo em 1994 com US$ 500 milhões, quando não se conhecia esse tipo de negócio no Brasil. Desde então, já investiu mais US$ 1,1 bilhão em empresas como Telemar, ALL Logística, Submarino e a construtora Gafisa. Quando questionado se não se incomoda com a fama de investidor agressivo, um dos sócios da GP tem uma resposta pronta: 'Não é fama, nós somos agressivos.'

O estilo ousado é uma das marcas de dois dos bancos mais atuantes na abertura de capital: UBS Pactual e Credit Suisse. Eles foram responsáveis por cerca de 80% da emissão de ações dos últimos três anos. Ambos têm no DNA os genes do Garantia: o Pactual se inspirou em seu modelo de gestão, em que a remuneração varia de acordo com o desempenho de cada executivo. O Credit Suisse comprou o Garantia depois que o banco perdeu muito dinheiro com a crise da Rússia, em 1998.

No ano seguinte, ainda sob a influência da crise do Garantia, os principais sócios do Pactual se reuniram para discutir o futuro do banco. Até então, eles ganhavam dinheiro como todos os bancos de investimentos no País: apostando recursos próprios em juros e dólar no nervoso mercado financeiro brasileiro. Preocupados com as seguidas crises financeiras do Brasil, o Pactual decidiu diversificar seus negócios e se dedicar a atividades como emissões de ações, fusões e aquisições.

Em 2003, o Credit Suisse também reviu suas apostas. Foi quando Antonio Quintella assumiu a presidência do banco. 'Percebemos que em algum momento a economia brasileira iria se estabilizar e o grande negócio seria prestar serviços para terceiros, e não aplicar recursos próprios', disse Quintella.

Naquela época, os negócios estavam fracos. De 1997 a 2003, só três empresas haviam lançado ações na bolsa. Os principais concorrentes do Pactual e do Credit Suisse haviam sido vendidos, fechado as portas ou deixado o Brasil. Quando a economia se estabilizou e os negócios começaram a pipocar, ninguém tinha equipes dedicadas às emissões de ações ou fusões e aquisições como os dois bancos. O Pactual participou de três das quatro emissões de ações pioneiras do mercado: CCR, ALL e Gol. Só ficou de fora da Natura.

Além de pegar carona, eles têm gerado novos tipos de negócios. Quando a americana J.C. Penney quis vender a rede de lojas Renner, o Credit Suisse convenceu a empresa a negociar todas suas ações na Bolsa, fato inédito até então. Colocar as ações da Renner nas mãos de milhares de investidores abriu uma nova possibilidade de vender o controle de empresas no Brasil.

Jean-Marc Etlin, vice-presidente responsável pelo banco de investimentos do Itaú BBA, também colhe os frutos por ter apostado cedo na recuperação da economia. Ele passou dez anos, durante a década de 80, trabalhando em bancos e fundos de investimentos nos EUA e na Europa. No início da década de 90, voltou ao Brasil. 'Percebi que a economia ia se estabilizar e apareceriam muitas oportunidades de negócios', diz Etlin. Na época, como executivo do UBS, participou da emissão de ações das pioneiras CCR, Natura e Dasa. 'O negócio só está começando. Cada 1% da economia dos brasileiros que migrar para a Bolsa trará investimentos de US$ 4,5 bi.'