Título: Telebrás faz milionário amigo de Hélio Costa
Autor: Siqueira, Ethevaldo
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/06/2007, Economia, p. B16

O Brasil tem dezenas de histórias de indenizações milionárias. A que relato a seguir, no valor de R$ 254 milhões, envolve a Telebrás, a VT Um Produções e, indiretamente, o ministro das Comunicações, Hélio Costa.

Atendendo a pedido do procurador-geral da República, Antônio Fernando Barros de Souza, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, na quinta-feira passada, a abertura de inquérito, pela Polícia Federal, para a apuração de responsabilidades, propondo que sejam ouvidos o ministro das Comunicações, Hélio Costa, bem como seu amigo, Uajdi Menezes Moreira; o presidente da Telebrás, Jorge da Motta, e o ex-secretário-executivo do ministério, Tito Cardoso.

O pedido do procurador Barros de Souza argumenta que as diligências visam a investigar melhor os fatos noticiados na revista IstoÉ, no dia 2 de agosto de 2006, sobre os supostos bastidores desse acordo milionário, envolvendo os respectivos protagonistas. Conforme informou a revista, o acordo, que previu o pagamento de R$ 254 milhões da dívida total, teria sido fechado antes de se esgotarem os recursos judiciais.

O VELHO 0900

Comecemos pelo princípio. O leitor talvez se lembre de alguns serviços de valor adicionado, o código 0900, arapuca que enriqueceu até donos de canais de televisão no País, com sorteios, pornografia, piadas e outras inutilidades. Por decisão judicial, a maioria desses serviços foi proibida e considerada ilegal.

Pois bem, em 1995, a Embratel cancelou unilateralmente um desses contratos com uma empresa minúscula, a VT Um Produções, de propriedade de Uajdi Moreira, amigo pessoal do ministro Hélio Costa. O contrato se referia à chamada TV Interativa, no qual os telespectadores ligavam para um código 0900, pagavam certo valor pela chamada e concorriam a prêmios.

R$ 1 BILHÃO

O capital da VT Um era de apenas R$ 1.000, em 1995, depois de 16 meses de exploração dos serviços. Três anos depois do encerramento do contrato, em 1998, em pleno processo de privatização das telecomunicações, a VT Um entrou na Justiça pleiteando da Embratel e da Telebrás uma indenização de R$ 1 bilhão.

Imagine, leitor, uma indenização de R$ 1 bilhão pela interrupção unilateral de um serviço desse tipo. Depois de fazer acordo com a Embratel, já privatizada, a empresa prosseguiu na ação contra a Telebrás, no Distrito Federal, pleiteando indenização pouco superior a R$ 500 milhões. E, para surpresa de todos nós, ganhou a causa.

Sob o argumento de ter sido condenada em última instância, a Telebrás deixou de recorrer da sentença, aceitando fazer acordo extra-judicial, após uma estranha troca de correspondência com a VT Um. Mesmo com a discordância do presidente da Telebrás, Jorge da Motta, a empresa foi aconselhada por seu assessor jurídico e pela VT Um a não recorrer ao STF, 'por não se tratar de matéria constitucional'.

NEGOCIANDO

Supostamente sem o direito de recorrer, a Telebrás se viu compelida, por força de mandado de citação, penhora e avaliação, expedido pela 11ª Vara Cível da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília, a pagar à VT Um, em 24 horas, a importância de R$ 506.205.679,81.

Sem recursos para pagar tal montante, a Telebrás decidiu negociar um acordo extra-judicial, para não ir à falência, conforme alegaram seu presidente e seu assessor jurídico. Assim, a dívida foi reduzida de R$ 506 milhões para R$ 254 milhões.

Pelo acordo entre as partes, a Telebrás concordou em pagar R$ 95,5 milhões em dinheiro, sendo R$ 59,5 milhões no ato e o restante em 40 parcelas mensais de R$ 900 mil. Além dessas parcelas, a Telebrás cedeu à VT Um os direitos sobre créditos tributários no valor de R$ 107,9 milhões e direitos referentes à ação que tramita na Justiça de São Paulo contra a Telesp, de R$ 50,5 milhões.

'ECONOMIA'

Conforme parecer do procurador-geral do Ministério Público, Lucas Rocha Furtado, solicitado recentemente, 'o acordo trouxe economia para a Telebrás e não prejuízo aos cofres públicos'. Não é ironia. É uma afirmativa séria do procurador: em lugar de pagar mais de R$ 500 milhões, a Telebrás só pagou R$ 254 milhões. Portanto, houve 'economia para os cofres públicos'.

O Ministério Público Federal, contudo, solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a instauração de inquérito para averiguar eventuais irregularidades e responsabilidades, inclusive quanto ao ministro das Comunicações, Hélio Costa, e ao presidente da Telebrás, Jorge da Motta. A instauração do inquérito foi aprovada em relatório do procurador-geral da República, Antônio Fernando Barros de Souza, na segunda-feira passada.

A abertura do inquérito policial solicitada ao STF pelo procurador-geral da República, para apurar as suspeitas pendentes no caso Telebrás, teve origem em notícia-crime proposta pelo advogado Luiz Nogueira, de São Paulo, com o objetivo de esclarecer todas as dúvidas e iniciar possível ação popular, em defesa do patrimônio público.