Título: O apagão está de volta. Na Argentina
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/06/2007, Economia, p. B17

A Argentina entrou na semana passada em grande estilo na sua quarta temporada de crise energética. Os problemas de geração, distribuição e abastecimento de energia, acumulados ao longo dos últimos 5 anos, ficaram evidentes com o apagão que assolou na segunda-feira - durante mais de quatro horas - os elegantes bairros da Recoleta, Belgrano e Palermo, poupados da falta de energia nos anos prévios.

Os economistas já temem que, se os cortes de energia persistirem, o crescimento da economia seja afetado. Eles recordam que a crise energética do 'abril negro' de 2004 fez com que nesse mês o Produto Interno Bruto (PIB) recuasse 1,5% (foi o único mês com queda desde agosto de 2002).

As perspectivas de crescimento do PIB para 2007 oscilam entre 7,5% e 8,5%. Alguns economistas sustentam que, se a situação da última semana persistir por mais duas semanas, será preciso reavaliar as perspectivas e indicar um crescimento menor. Outros, no entanto, indicam que as previsões do PIB deste ano já incluíam as complicações energéticas.

No apagão da semana passada, a produção industrial foi afetada. Com a proximidade das eleições, parece que o presidente Néstor Kirchner optou por poupar os consumidores residenciais - potenciais eleitores - e ordenou ao setor industrial, comercial e de serviços que consumissem 600 Megawatts (MW) a menos entre 18 e 22 horas. Assim, as indústrias tiveram em média 20% menos energia (em alguns dias o corte chegou a 30%).

Em outubro, os argentinos escolherão o novo presidente do país e Kirchner ainda não decidiu se será candidato à reeleição ou se lançará como candidata sua mulher, a senadora Cristina Fernández de Kirchner.

O gás também foi escasso. As fábricas que consomem mais de 9 mil metros cúbicos diários ficaram dois dias seguidos sem a totalidade do abastecimento. As empresas de cimento foram as mais prejudicadas, pois terão de esperar até esta semana para retomar a temperatura dos fornos. No entanto, a União Industrial Argentina (UIA) decidiu por não irritar Kirchner e preferiu manter silêncio, sem expressar críticas, para evitar vinganças do governo.

Para complicar, a usina atômica de Atucha I esteve com problemas técnicos e ficou dias sem funcionar. A central nuclear de Embalse estava fechada para reparos. Ambas só começaram a operar na sexta-feira. Mas os especialistas afirmam que, inevitavelmente, elas voltarão a ter problemas em breve.

Além da falta de energia, a escassez de gás nos postos de abastecimento de automóveis, paralisou 70% da frota de 50 mil táxis. O centro de Buenos Aires, com trânsito caótico desde o início da recuperação econômica em 2003, apresentou na semana passada um cenário de plácidas avenidas que prometia se prolongar pelos próximos dias.

O cenário promete ficar ainda pior, já que as autoridades indicaram que o ano será seco, fato que deve causar problemas para o funcionamento das hidrelétricas instaladas na Patagônia, que abastecem o cinturão industrial de Buenos Aires.

COLAPSOS

O motivo do colapso do sistema elétrico foi duplo. Por um lado, a baixa temperatura, recorde nos últimos 45 anos no mês de maio, que provocou um maior consumo de energia elétrica, que chegou a 18.200 MW na segunda-feira (no ano passado, o dia mais frio marcou um consumo de 17.400 MW).

Neste ano, Kirchner não contou com a clemência do clima, que em 2004, 2005 e 2006 proporcionou outonos e invernos amenos. Desta vez, o frio chegou antes - e de forma mais intensa - fazendo os termômetros marcarem temperaturas próximas a 1 grau. Na Patagônia fez mais frio do que na própria Antártida, com 17 graus negativos. A neve caiu generosamente em várias províncias.

Por outro lado, o sistema foi levado ao colapso pela escalada do consumo de energia de um país cuja economia cresce, desde 2003, 9% em média por ano, enquanto que a infra-estrutura energética praticamente não ampliou sua capacidade nesse período. 'Não há interesse em investir em um país que mantém em congelamento as tarifas das privatizadas', explicam analistas.

O congelamento começou em 2002, ainda no governo do presidente provisório Eduardo Duhalde (2002-2003). Gradualmente, os preços foram liberados, mas só para tarifas industriais e comerciais. Kirchner, com a exceção de 1,2 milhão de usuários atendidos pela empresa Gas Ban (que em março foi autorizada a um aumento de 14%), impediu todo tipo de aumentos tarifários para os consumidores residenciais.

Um rigoroso controle de preços também foi aplicado aos combustíveis, cujos preços são 50% inferiores ao resto dos países da região.

SEM PLANOS

Desde que tomou posse, o governo não desenvolveu programas sérios para a área energética, acusam líderes da oposição e empresários. Os analistas consideram que Kirchner, até agora esteve 'bicicleteando' (expressão equivalente a 'empurrar com a barriga') à procura de uma saída para essa crise.

Para fugir dela, nos últimos quatro anos, Kirchner importou diesel da Venezuela; comprou gás da Bolívia, para cobrir 6% do consumo interno; e reduziu os envios de gás para o Chile, violando os contratos assinados nos anos 90 (além de criar tensão com o país vizinho). Além disso, ocasionalmente importa energia elétrica do Brasil e do Uruguai.

Em pouco mais de uma década, a Argentina passou de um país exportador de gás e petróleo a um pequeno importador. Os especialistas otimistas indicam que em 2015 a Argentina será um grande importador. Os pessimistas afirmam que essa condição será realidade entre 2010 e 2013.