Título: A crise na Polícia Federal
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/06/2007, Notas e Informações, p. A3

À primeira vista pode até parecer irônico que a Polícia Federal (PF) - o órgão do Estado responsável pelo desbaratamento de quadrilhas e pelas descobertas de grandes falcatruas no meio político-administrativo, envolvendo todos os Poderes e níveis da administração - esteja enfrentando forte crise interna, com graves denúncias pesando sobre quadros seus de elevada posição. Mas não é irônico nem se trata de mera coincidência, pois a Operação Navalha, que vem escandalizando o País, deriva, justamente, de investigações realizadas em outra operação - a Octopus, palavra que designa ¿polvo¿ - sobre empresários baianos, que teriam formado o chamado Grupo G-8, dedicados, há muito tempo, à prática de fraudes em licitações públicas, que se descobriu estarem conectados com integrantes da própria Polícia Federal.

É que a partir de determinado momento as apurações da Operação Octopus começaram a vazar, permitindo que os investigados da PF se prevenissem - chegando-se até a situação surrealista de policiais investigados prenderem policiais que os investigavam. O diretor-executivo da PF, Zulmar Pimentel, segundo homem da hierarquia da instituição policial federal, é acusado de repassar informações sigilosas dessa investigação para um dos que eram seu alvo: João Batista Paiva Santana, ex-superintendente da PF no Ceará. Os servidores da PF César Nunes e Paulo Bezerra também teriam sido avisados de que estavam na mira das investigações.

O vazamento fez tantos ¿estragos¿ na Octopus que acabou por interrompê-la, dando lugar à nova operação, designada por Navalha, inicialmente para cuidar da corrupção interna, mas logo descobrindo um fértil filão externo à PF. Havia sido montada uma casa, no bairro Itapuã, de Salvador, com muito equipamento de escuta e pessoal trabalhando em ¿arapongagem¿. Descoberto que as informações dali eram repassadas a suspeitos (da própria PF), essa casa foi desativada por determinação do juiz da 2ª Vara Federal de Salvador, Durval Carneiro Neto, para quem ¿todas as investigações posteriores voltaram-se para alvos externos aos quadros da Polícia Federal¿.

Para ¿sorte¿ dos policiais da PF suspeitos surgiu o enorme envolvimento da construtora baiana Gautama, na pessoa de seu titular Zuleido Veras, mostrando uma disseminação tentacular da corrupção em obras públicas, por pelo menos quatro Ministérios e nove Estados, e deixando sob sérias suspeitas um ministro de Estado, dois governadores, um ex-governador, parlamentares, empresários, prefeitos e parentes e agregados de muitos destes. Assim, o grande volume de corrupção ¿externa¿ propiciou uma tentativa de congelamento das investigações internas da PF.

Mas a ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Eliana Calmon, se incumbiu de desfazer esse congelamento, afastando de suas funções, por 60 dias, o diretor Zulmar Pimentel - acusado de vazar informações - e o superintendente da PF na Bahia, Antônio César Nunes. A ministra também determinou o afastamento do antecessor de César Nunes, o atual secretário de Segurança da Bahia, Paulo Bezerra - que já se encontrava afastado da instituição desde janeiro, quando assumiu a Secretaria.

Por sobre todo esse imbróglio, que tem deixado a Polícia Federal em situação constrangedora e chega a empanar os louros devidos a muitas operações bem-sucedidas, há uma acirrada guerra interna pelo poder, na medida em que se arrasta, desde longa data, um processo sucessório - qual seja, a escolha do nome que substituirá o atual diretor-geral da PF, Paulo Lacerda. O pior é que os serviços de informações e contra-inteligência, os relatórios produzidos por diferentes setores, as escutas telefônicas e diligências de todo o tipo vão sendo utilizados pelos grupos em disputa e transformados, de parte a parte, em tentativas de ¿blindagem¿ ou de esvaziamento de candidaturas internas.

O diretor-geral reúne-se com o alto comando da instituição para discutir a crise e encontrar meios de solucioná-la. Mas a permanecer esse clima de disputa interna as próprias megaoperações da Polícia Federal estarão comprometidas - o que, mais uma vez, vem a demonstrar o grau de estrago que uma disputa pelo poder pode provocar no seio das instituições, por eficientes que sejam.