Título: A degradação da autoridade
Autor: César, Aloísio de Toledo
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/05/2007, Espaço Aberto, p. A2

A degradação progressiva do princípio da autoridade no País está fazendo antecipar para cada um de nós, sobretudo em São Paulo, um inferno bem ao gosto de Satanás.

Já se tornou corriqueiro o fato de nós, paulistas, permanecermos presos em estradas ou ruas das cidades por causa da interrupção do tráfego, por barricadas de pneus e fogo erguidas por minorias descontentes.

Essas minorias costumam se defender com o argumento de que a democracia é assim mesmo e que nela cada um tem o direito de se manifestar. As autoridades, ao que parece, concordam com esse pensamento errado, tanto que mesmo o conhecimento prévio dessas manifestações não tem provocado a necessária defesa prévia da vontade da maioria.

Isso faz com que a Avenida Paulista, por exemplo, a toda hora seja interrompida para que pequenos grupos de descontentes interrompam o trânsito e massacrem os interesses e a vida da grande maioria. Num regime democrático deve ser proporcionado a todos o direito de manifestação. Mas o que a democracia não deve permitir - e nisso os atuais governantes fraquejam - é que a vontade da maioria seja derrotada, humilhada, massacrada por pequenos grupos de descontentes que paralisam as estradas, as ruas, o metrô, os ônibus e até os aviões.

Pelo jeito, parece que estamos vivendo uma espécie inusitada de porre da democracia, que se reflete diretamente no desgaste acima referido do princípio da autoridade. Aqueles que paralisam o metrô, as estradas, os ônibus, os aviões e invadem terras particulares e prédios públicos não demonstram o menor temor pela conseqüência de seus atos. Eles percebem claramente que essa farra pode ter seqüência em qualquer canto do País, sem punição. Exemplo marcante disso está no comportamento do presidente da República quando os controladores de vôo entraram em greve e puseram de joelhos a população brasileira. Houve um apelo das autoridades federais para que voltassem a trabalhar e eles assim fizeram. Pois bem, o presidente da República, em vez de cumprir a lei, passou a mão na cabeça de cada um deles e agradeceu publicamente por voltarem a trabalhar, ou seja, a fazerem aquilo a que estão obrigados.

Quem serviu ao Exército, naqueles tempos de final de adolescência, há de lembrar-se de como era importante o exemplo do chefe. O que o chefe fazia, sim, aquilo era o caminho seguro a ser seguido. E o chefe, com essa responsabilidade de direcionar os comportamentos, dela se desincumbia em clima de enorme respeito. Mas não só no Exército era assim.

Na escola - parece tão distante e irreal aquele período - os alunos não só respeitavam, como também admiravam os professores. Com essa atitude, acrescida de enorme atenção, todos aprendiam. Naqueles tempos - é bom lembrar, porque terminaram - ainda não era costume alunos baterem na cara dos professores ou ofendê-los e desafiá-los em plena sala de aula. A conseqüência disso, todos sentimos hoje, é a manutenção de nossa juventude - as sementes para o futuro - num nível de ignorância que só não espanta a eles próprios. Hoje, dá medo perguntar a um menino de 9 anos quanto são sete vezes oito. Ou, então, qual é a capital de Sergipe e mesmo quem foi que primeiro chegou ao Brasil.

Após a inacreditável e ilegal greve dos controladores de vôo, inclusive com a participação confirmada de militares submetidos ao estatuto da classe, o presidente da República deu o exemplo de não-aplicação da lei (ele é obrigado a isso pelo artigo 85, VII, da Constituição federal).

Se o chefe supremo na Nação, em vez de aplicar a lei, alisou a cabeça de cada um deles, quando a vontade da Nação era claramente outra, com esse lamentável exemplo atou as mãos, os braços e as pernas do comandante da Aeronáutica, que estava submetido pela hierarquia constitucional ao presidente da República (a Constituição federal diz claramente, no seu artigo 84, inciso XIII, que o presidente da República é o comandante supremo das Forças Armadas, com competência para nomear os chefes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica).

Se o exemplo do chefe supremo é esse, torna-se perfeitamente compreensível que os sem-terra, os sem-teto e até mesmo os simples espertalhões invadam cada vez mais as áreas e os prédios públicos e de particulares, degradando o princípio constitucional do direito de propriedade (artigo 5º, XXII, da Constituição federal).

É grave, extremamente grave, que as Polícias Federal, Civil dos Estados e as Polícias Militares saibam por antecipação da próxima ocorrência de invasão, de greves em serviços públicos e de bloqueio de estradas e nada façam para coibi-las. Igualmente grave é a circunstância de não apertarem o cerco em torno daqueles que repetidamente praticam o crime de invasão de propriedade e dilapidação do patrimônio.

Nessas invasões, tão freqüentes e tão repetidas, sempre ocorrem destruição, inutilização e deterioração de coisa alheia, fato tipificado como crime pelo Código Penal (artigo 163). Fechar os olhos e fingir que isso não acontece tem sido fácil, e por isso a quebra do princípio da autoridade se avoluma.

A degradação crescente vai introduzindo em cada um de nós uma infinita tristeza por tudo o que perdemos e que representa o contrário de nossos sonhos. Ao invés da melhora que nós todos esperávamos, amplia-se o número daqueles que acham certo falar ¿a nível de enquanto pessoa¿ e fazem com que tenhamos medo de sair à rua, andar de ônibus, de metrô e de avião.

Curiosamente, o medo de viajar de avião não é mais aquele antigo e de nós conhecido: o de que o avião caia. Veio em seu lugar um receio ainda pior: o de que a viagem nem comece ou não termine no aeroporto desejado. As coisas mudaram mesmo. Mas, pessoalmente, ainda não me consigo acostumar com a melancólica idéia de que entre os jovens se torna comum preferir um baseado a um sorvete.