Título: O assistencialismo e conseqüências
Autor: Passarinho, Jarbas
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/05/2007, Espaço Aberto, p. A2
Já no século 18 a política do socialismo era repartição e assistência e a do capitalismo, crescimento. Com o tempo, essas duas políticas não mantiveram antítese, porque a repartição e a assistência vieram a ser praticadas pela evolução do capitalismo, seja pelo neocapitalismo, seja pelo Welfare State de origem nórdica, do mesmo modo que a economia centralizada, que parecia exclusiva do socialismo, provocou a existência do planejamento. Quanto ao assistencialismo, Roberto Campos advertia sobre o distributivismo precoce, o que poderia ser confundido, em parte, com a teoria atribuída a Delfim Netto de ¿deixar o bolo crescer para então dividi-lo¿. Essa aproximação, talvez indesejada pela esquerda, para evitar enfraquecer o seu trunfo principal, levou o capitalismo a diferenciar crescimento de desenvolvimento, com a política auxiliar de repartição da renda, exigida como justiça social, palavras de que Hayek contestava a validade.
Um exemplo do capitalismo que incorpora a assistência ao seu programa nos deu Franklin Roosevelt com o New Deal. Ao vencer as eleições, encontrou a economia capitalista dos Estados Unidos quase em colapso; a maioria dos bancos, falida; o desemprego atingia 13 milhões de pessoas; a produção industrial caíra a 56% do nível do crack de 1929; a produção rural, asfixiada pelos preços baixos, sem proporcionar lucro para novos investimentos. Que fez ele? Ainda que rejeitasse a identificação com as receitas de Keynes, algumas delas Roosevelt aplicou. Para minorar o desespero dos trabalhadores admitiu conviver com uma inflação baixa para aumentar os preços. Para diminuir o desemprego engajou 500 mil jovens desempregados em trabalhos de reflorestamento e contenção de enchentes nas cidades ribeirinhas. Socorreu os que estavam devendo hipotecas. Transferiu lavradores de terras pobres para férteis, com assistência técnica. Destinou mais de US$ 3 bilhões à indústria para obras de vulto, que associou às grandes obras públicas, para geração de empregos, de que seu exemplo maior foi a da Tennessee Valley Authority (TVA), no Rio Colorado, que, além de reduzir o desemprego no vale do Tennessee, aumentou a oferta de eletricidade. Sua prioridade assistencial aos agricultores pode ser tida como assistencialismo de um regime capitalista em crise, que seguia o lema socialista. Os dois principais objetivos do New Deal foram atingidos seguindo economia planejada, outra heresia para as regras do mercado e a posterior condenação de teóricos da economia de mercado.
No Brasil, Getúlio Vargas criou o salário mínimo para impedir que ampla demanda de empregos pudesse leiloar a mão-de-obra por preço vil. Mas desde sua criação até hoje o salário mínimo não satisfaz a letra da Constituição. No ciclo militar, os trabalhadores rurais, que, mesmo com Getúlio, não tiveram apoio específico, foram beneficiados, ¿nesse país¿ - pelo Plano Básico da Previdência Rural, criado devidamente com o custeio definido e, mais tarde, ampliado, no governo Médici, para meio salário mínimo e, pela Constituinte de 1987, dobrado. Fernando Henrique Cardoso, nas vésperas de seu segundo mandato, disse que ¿o Fundo Rural era o maior programa de renda mínima o mundo¿. São vários milhões de pessoas beneficiadas, pagas pelo INSS. Claro exemplo de assistencialismo, porém sem prejudicar os objetivos dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND1 e PND2).
Já no governo Fernando Henrique Cardoso, o assistencialismo cresceu: além da Bolsa-Escola, o Vale-Gás e a ajuda alimentar, acrescidos a benefícios não federais como leite, pão e cestas básicas. O Estado atual é claramente assistencialista e, naturalmente, com cortes em outras despesas, como educação pública (aliás, investimento, e não despesa), saúde e transporte. Na ocasião, em fase de oposição, o candidato Lula chamava tudo isso de esmola que aviltava a dignidade dos brasileiros. Chegando ao poder, a ¿esmola¿ se ampliou com o Bolsa-Família, englobando aqueles mesmos benefícios e aumentando o pagamento. Um princípio da política socialista levada ao extremo, a ponto de clérigos católicos criticarem Lula, a quem antes tanto apoiaram a partir da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) no elitista Colégio Sion, em São Paulo. Um bispo aproveitou a letra de música clássica de Luiz Gonzaga para condenar o assistencialismo. O Bolsa-Família tornou-se um estoque eleitoral indiscutível, como as Comunidades Eclesiais de Base foram - ou ainda são - os melhores centros de capacitação política do PT, onde cooptaram, entre outras personalidades de vulto, a ministra Marina Silva (AC) e a senadora Ideli Salvatti (SC).
Não usarei o evangelista Marcos - que disse ter Jesus afirmado realisticamente: ¿Sempre haverá pobres entre vós¿ -, porque pode ser usado como desculpa que impede o remorso das elites. Mas estou certo de que ainda haverá milhões de pobres que estão fora da Bolsa-Família, ao passo que dela desfruta quem tem renda própria. O pior são conseqüências perversas citadas no relatório do próprio Ministério de Desenvolvimento Social. Apesar de efeitos positivos, o relatório cita: ¿Crianças com Bolsa-Família têm menor aprovação escolar que os filhos de famílias pobres não beneficiadas. Cerca de 3% dos adultos beneficiados estão ocupados. No Nordeste, uma parcela de 50,74 reais é gasta em tabaco e álcool.¿
É inegável que o vulto das verbas do assistencialismo resultou no corte de investimentos. O Brasil cresceu ínfimos 2% do PIB ao ano, só acima do Haiti. A lição parece clara: o assistencialismo, se não temporário, impede geração de emprego e o crescimento.