Título: Corrupção e políticas públicas
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Fonte: O Estado de São Paulo, 29/05/2007, Notas e Informações, p. A3

As novas denúncias de corrupção reacendem o debate sobre como se gastam os bilhões confiados ao governo pelos contribuintes. A discussão envolve tanto o orçamento federal - desde a sua tramitação no Congresso até a liberação das verbas - quanto as compras de bens e a contratação de serviços pelo setor público. Com apoio do colégio de líderes, o presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, anunciou a intenção de apresentar proposta para eliminar as emendas de bancadas e dar caráter impositivo às emendas individuais enxertadas na lei orçamentária. A discussão ressurgiu muitas vezes, desde o escândalo dos ¿anões do orçamento¿, na década passada, mas com resultado praticamente nulo em termos de proteção ao Tesouro. Ao mesmo tempo, cresce o interesse em torno do projeto de mudança da Lei de Licitações, aprovado pela Câmara e em exame no Senado. Também o presidente Lula promete agir para conter o desvio de recursos públicos. Ele ordenou aos ministros palacianos, coordenados pela chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, a busca de fórmulas para tornar as licitações menos vulneráveis a fraudes.

A alteração defendida pelo presidente da Câmara produzirá na melhor hipótese um resultado parcial. Emendas individuais também podem servir para o desvio de recursos. O limite para essas emendas - R$ 5 milhões por parlamentar - não é uma garantia de lisura. O processo corruptor não se limita à capacidade do presidente da República de cooptar parlamentares em troca da liberação de verbas. Empresas e lobistas também usam e abusam das emendas para fins ilegítimos. Além disso, não adianta falar de orçamento impositivo enquanto não se puder confiar na estimativa de receita embutida na lei orçamentária. Essa estimativa tem sido freqüentemente inflada pelos parlamentares durante a tramitação do projeto. Mas o orçamento apenas autorizativo, isto é, não impositivo, dá ao governo o poder de arbitrar a liberação de verbas de acordo com seus interesses políticos de cada momento, o que aumenta o seu poder de corromper. Se o Executivo fosse obrigado a realizar os gastos previstos nas emendas, o jogo entre os Poderes ficaria mais equilibrado.

Mas o problema está mal definido. É preciso rediscutir o objetivo das emendas. O orçamento deve ser uma ferramenta de governo - no sentido amplo dessa palavra - e não um instrumento para servir a interesses de cada parlamentar. É tempo, como observou o senador Sérgio Guerra, de se cuidar da lei orçamentária com base em prioridades negociadas e critérios técnicos. A democracia não se realiza pelo retalhamento das verbas, mas pela negociação de projetos e programas de interesse público.

Se esse for o caminho escolhido, o Congresso poderá desempenhar importante papel na definição das políticas e dos gastos federais. Não se trata, portanto, apenas de combater a corrupção, mas de restituir ao processo orçamentário o seu significado mais nobre. Historicamente, a sujeição dos gastos governamentais à aprovação dos parlamentos foi um dos meios encontrados para combater a opressão política, evitar as aventuras militares e, mais tarde, dar aos cidadãos maior influência na definição e condução de ações de interesse nacional.

A mudança na Lei de Licitações pode atender a dois objetivos: combater a corrupção e aumentar a eficiência no uso de recursos públicos. Por sua importância, o projeto foi incluído no Programa de Aceleração do Crescimento. Na versão aprovada pela Câmara, ficaram sujeitas a licitações por meio de pregão eletrônico as contratações de obras orçadas em até R$ 340 mil e as compras de bens e serviços até R$ 85 milhões. O relator no Senado, o peemedebista Jarbas Vasconcelos, propõe elevar o limite das primeiras para R$ 3,4 milhões e reduzir o das segundas para R$ 34 milhões. As duas alterações, se aprovadas, ampliarão o uso de pregões eletrônicos, considerados menos vulneráveis a conluios entre os participantes. A questão é complexa, envolve interesses poderosos e os parlamentares enfrentam pressões fortíssimas. Cuidar das brechas no sistema de licitações é tão importante quanto fechar ralos do orçamento, mas não se pode ter ilusões: é preciso encarar essas mudanças como meros passos de uma reforma política muito mais ambiciosa.