Título: 'Confiei no sistema', diz em CPI controlador acusado por tragédia
Autor: Lopes, Eugênia
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/05/2007, Metrópole, p. C3

Três dias depois de ter sido denunciado pelo Ministério Público Federal por crime doloso (intencional) no caso do choque do Boeing da Gol com o jato Legacy, o sargento Jomarcelo Fernandes dos Santos culpou ontem falhas no sistema de controle de vôo pela tragédia, que deixou 154 mortos em setembro. Ele e dois outros controladores fizeram sua primeira defesa pública, na CPI do Apagão Aéreo do Senado. Jomarcelo reconheceu que fala mal inglês e não determinou que o Legacy baixasse para 36 mil pés depois de passar por Brasília, como previa o plano de vôo. As alegações não convenceram o relator da CPI, Demóstenes Torres (DEM-GO).

¿A informação que eu tinha é que, a partir de Brasília, o jato estava a 36 mil pés. Eu confiei no sistema¿, argumentou Jomarcelo. Ele admitiu ter repassado essa informação a seus substitutos na troca de turno, os sargentos Lucivando de Tibúrcio de Alencar e Leandro José dos Santos Barros, também ouvidos ontem. O Legacy, na realidade, voava a 37 mil pés desde São José dos Campos.

¿A única informação que tinha era que a aeronave estava na altitude correta. E em cima da informação da altitude correta não tinha por que adotar outra medida de emergência¿, disse Lucivando, ao tentar explicar os motivos pelos quais não pediu ajuda ao Cindacta-4, de Manaus, depois de tentar várias vezes contato com o Legacy. Lucivando e Leandro foram indiciados por crime culposo (sem intenção).

¿O software que usamos não é confiável. É um sistema em que a gente não confia e pode induzir ou fazer com que o controlador cometa erros¿, disse Lucivando, o mais experiente dos controladores, com quatro anos e meio na função. Jomarcelo é o mais inexperiente: tem um ano de controlador de vôo. Leandro, assistente de Lucivando no dia do acidente, tem três anos de meio de experiência.

Os sargentos Alexandre Xavier Barroca e Antônio Francisco Costa de Castro, supervisores do Cindacta-1, também depuseram na CPI. Admitiram que só souberam do acidente quase meia hora depois do choque. Garantiram ainda que os controladores não solicitaram ajuda, mesmo depois das dificuldades de manter contato via rádio com o Legacy. ¿Só fiquei sabendo do acidente por volta das 17h20. É corriqueiro a aeronave perder o contato com a gente¿, explicou Alexandre.

¿Parece que o sistema tem falhas. Neste caso, embora o sistema seja falho, a causa do acidente foi falha humana¿, disse Demóstenes. Ele responsabilizou os operadores e os pilotos do Legacy, Joe Lepore e Jan Paladino, pela tragédia. Assim como o MPF, considerou Jomarcelo o principal culpado pelo acidente. Para Demóstenes, no entanto, ele deve ser enquadrado por crime culposo. ¿Não tenho dúvidas de que Jomarcelo cometeu a falha mais grave. Ficou bem evidente que, como técnico, ele falhou. Ele teve uma falha decisiva. Acho que foi negligente, imprudente e cometeu imperícia. Mas não tinha a intenção de provocar o acidente.¿

Os depoimentos dos controladores foram feitos em uma sessão vazia da CPI, com a presença apenas do relator e do presidente da comissão, Tião Vianna (PT-AC). Parte do depoimento dos sargentos supervisores foi feita em sessão reservada, a pedido da defesa dos militares. Os senadores também ouviram o sargento Francisco Roberto Agostinho Freire, do Cindacta-4, que não foi denunciado pelo MPF.

FRASES

Jomarcelo dos Santos Controlador do Cindacta-1

¿A informação que eu tinha é que, a partir de Brasília, o jato estava a 36 mil pés¿

Demóstenes Torres Relator da CPI

¿Não tenho dúvidas de que Jomarcelo cometeu a falha mais grave. Ficou bem evidente que, como técnico, ele falhou. Ele teve uma falha decisiva. Acho que foi negligente, imprudente e cometeu imperícia. Mas não tinha a intenção de provocar o acidente¿

Lucivando de Alencar Controlador do Cindacta-1

¿O software que usamos não é confiável. É um sistema em que a gente não confia e pode induzir ou fazer com que o controlador cometa erros¿.