Título: A Lei Maria da Penha
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/05/2007, Notas e Informações, p. A8

Ao completar seis meses de vigência, a Lei 11.340 - a Lei Maria da Penha -, concebida para proteger as mulheres contra a violência, apresentou um balanço que surpreendeu os especialistas. Só no Estado de São Paulo, o número de denúncias por lesão corporal protocoladas nas 125 Delegacias da Mulher caiu 18,8% desde que o texto foi sancionado, em setembro de 2006. Balanço feito pela Secretaria da Segurança Pública revela que, nos seis meses, de outubro de 2006 a março deste ano, foram registrados 132.649 boletins de ocorrência, enquanto de outubro de 2005 a março de 2006, esse número foi de 163.441 boletins.

A principal inovação da Lei Maria da Penha foi tipificar a violência doméstica contra a mulher, no âmbito físico, sexual, psicológico e moral, e tornar mais rigorosas as sanções penais aplicáveis ao agressor. Até o advento da lei, a lesão corporal sofrida pela mulher era classificada como simples rixa e a pena máxima aplicada ao agressor, nos Juizados Criminais Especiais, que julgam delitos de baixo potencial ofensivo, era de um ano de detenção, podendo ser substituída pelo fornecimento de cestas básicas, pagamento de multa ou prestação de serviços comunitários. Além disso, a mulher podia retirar a queixa feita na polícia, o que a submetia a pressões e abria caminho para a impunidade do agressor.

Agora, a lei possibilita a prisão em flagrante do agressor e a detenção preventiva, quando houver ameaça à integridade física ou psicológica da vítima. Uma vez feita a denúncia à polícia, não há mais como parar o inquérito criminal e o processo penal. A responsabilidade pelo julgamento não cabe mais aos Juizados Especiais, mas às varas criminais convencionais e, nos casos mais urgentes, o juiz tem até 48 horas para apreciar o inquérito e determinar as providências a serem tomadas pela polícia. O pagamento de multas e cestas básicas não é mais admitido nos crimes contra a mulher e a pena de prisão passa a ser de até três anos.

A Lei Maria da Penha também permite ao juiz criminal determinar a imediata saída do agressor de casa, além de obrigá-lo a comparecer, sob pena de detenção, a programas de recuperação e reeducação comportamental. Prevê o transporte da vítima e de seus filhos a um abrigo seguro, quando houver ameaça de morte. Garante proteção policial para a retirada dos pertences da mulher de casa. Define critérios para atendimento médico e exame de corpo de delito. E permite à mulher ser notificada de todas as etapas do processo criminal aberto contra o agressor, especialmente as datas de seu ingresso e de sua saída da prisão.

Maria da Penha, que deu nome à lei, é uma biofarmacêutica cearense, com três filhas. Em 1983, quando tinha 38 anos, ela foi objeto de duas tentativas de assassinato por parte de seu marido, um professor universitário. Na primeira tentativa, a tiro, ela ficou paraplégica. Na segunda tentativa, duas semanas depois, o marido quis eletrocutá-la no banho. Dias antes da primeira agressão, ele havia tentado convencê-la a fazer um seguro de vida em seu favor.

Condenado a oito anos de prisão, o marido se valeu de recursos judiciais para protelar o cumprimento da pena e o caso acabou chegando à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Foi o primeiro caso de violência doméstica julgado pela corte, que condenou o Brasil por omissão, tolerância e impunidade com relação à violência doméstica e recomendou expressamente ao governo a adoção de medidas penais mais duras. O marido de Maria da Penha foi finalmente preso em 2002, quase duas décadas após o início do processo, e, após dois anos, recebeu liberdade condicional.

A violência contra mulheres no âmbito doméstico é mais freqüente do que se imagina. Um em cada 5 dias de falta ao trabalho tem como causa a violência sofrida pelas mulheres dentro de casa, segundo estudos do Banco Mundial. O custo total da violência doméstica, em termos de atendimento médico e falta ao trabalho, oscila entre 1,6% e 2% do PIB.

Na América Latina, o Brasil foi o 18º país a contar com uma lei específica para casos de violência doméstica. Bastaram seis meses de vigência para se ver a falta que essa lei fazia.