Título: Chávez muda de canal e agora ameaça investir contra Globovisión
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/05/2007, Internacional, p. A11

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, ameaçou ontem investir contra a Globovisión, a TV mais combativa de oposição a seu governo depois que a Rádio Caracas Televisão (RCTV) saiu do ar por uma decisão oficial no domingo. ¿Inimigos do povo¿, disse o presidente referindo-se à emissora. ¿Recomendo que vocês meçam muito bem até onde querem chegar, porque se continuarem a incitar ao assassinato do presidente, terei de freá-los¿, completou, estendendo a ameaça ¿a todas as rádios que estiverem manipulando ou acirrando sentimentos¿.

A recusa do governo em renovar a licença para a RCTV transmitir pelo canal 2 tem sido muito criticada por outros países e organizações internacionais. ¿Pedimos ao governo da Venezuela que cumpra seus compromissos sob a Declaração Universal de Direitos Humanos e a Carta Democrática Interamericana e reverta as políticas que limitam a liberdade de expressão¿, disse ontem um porta-voz do Departamento de Estado americano.

Há três dias, manifestações pró e contra a decisão tomaram as ruas de Caracas e estão se espalhando por todo o país (ler ao lado). Segundo Chávez, as TVs, rádios e jornais estariam fazendo dos protestos em apoio à RCTV um ¿show¿ para desestabilizá-lo. ¿Não podemos menosprezar o adversário¿, disse ele em rede nacional, em seu primeiro pronunciamento público desde o fechamento da RCTV. ¿Alerto ao povo que está em marcha um novo golpe.¿

Pouco depois, a Câmara Venezuelana de Radiodifusão denunciou que a Conatel, órgão que administra a freqüência radioelétrica, ainda não concluiu o processo de renovação das concessões de 151 das 156 rádios AM, que também venceram no dia 27. ¿Na prática, a falta de decisão sobre as concessões funciona como outra ameaça cujo objetivo é estimular a auto-censura¿, disse ao Estado Andrés Canizáles, do Laboratório de Investigações em Comunicações da Universidade Católica Andrés Bello, lembrando que entre estas rádios há uma do grupo da RCTV.

A Globovisión não tem alcance nacional como a RCTV, mas é transmitida em Caracas e imediações. Na segunda-feira,o ministro das Comunicações, Willian Lara, pediu à procuradoria que investigue a emissora por incitar ao assassinato de Chávez durante o programa Alô Cidadão (e a americana CNN por empreender uma campanha para desacreditar a Venezuela). No caso em questão, após uma entrevista com o diretor da RCTV, Marcel Granier, entrou no ar uma cena que mostrava a tentativa de assassinato contra o papa João Paulo II, em 1981, com a música Isto não termina aqui, do cantor panamenho Rubén Blades, ao fundo. Segundo Lara, especialistas em semiótica consultados pelo governo disseram que a imagem estimularia de forma subliminar os venezuelanos a cometer um atentado contra o presidente.

O diretor da Globovisión, Alberto Ravell, qualificou as acusações de ¿ridículas¿, mas na sede da TV elas causaram indignação e nervosismo. ¿Sabíamos que o fechamento da RCTV era só o início e a Globovisión seria a próxima a entrar na mira do governo, mas não imaginávamos que fariam isso tão rápido¿, disse ao Estado Sheina Chanj, repórter e uma das âncoras do Alô Cidadão. ¿O presidente quer a imprensa com cabresto.¿

A licença da Globovisión vence em 2011, mas, segundo especialistas, o governo conseguiria tirá-la do ar usando outros mecanismos legais. ¿Chávez poderia alegar que a emissora descumpriu a Lei de Responsabilidade Social na Rádio e Televisão, de 2005, incitando à violência e atentando contra a ordem pública¿, disse Canizáles.

A RCTV tinha a maior audiência do país (cerca de 40%). O governo se recusou a renovar sua licença acusando seus diretores de ser golpistas e não cumprir compromissos fiscais e legais.

Em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou-se a comentar o que chamou de assunto interno venezuelano. Mas, após ouvir duras críticas do presidente da Abert, Daniel Pimentel Slavieiro, à não renovação da licença da RCTV, Lula fez uma veemente defesa da liberdade de expressão no Brasil - sem citar a Venezuela: ¿Se depois de uma saraivada de más notícias eu acho ruim, muito pior seria se não existisse democracia neste país para a imprensa dizer o que bem entende.¿