Título: Exportador não consegue receber R$ 15 bilhões em créditos de ICMS
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/06/2007, Economia, p. B1
Não bastasse o dólar barato, que torna menos competitivos os produtos nacionais no mercado externo, os exportadores brasileiros têm de lidar com outro problema: um sistema tributário que na teoria incentiva, mas na prática desestimula as vendas de mercadorias ao exterior, principalmente as industrializadas. Segundo levantamento do Ministério da Fazenda, existe um estoque aproximado de R$ 15 bilhões que as empresas exportadoras têm a receber dos governos estaduais, referentes a créditos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Quando uma fábrica compra matérias-primas e insumos para produzir um bem, paga ICMS embutido no preço desses produtos. Esse imposto é, por sua vez, transformado em um crédito, que a empresa usa para pagar o ICMS que ela própria terá de recolher quando vender sua mercadoria.
O problema surge quando a mercadoria é exportada. Nas vendas ao exterior, não incide o ICMS. De um lado é bom, pois o bem exportado fica mais barato e com melhores condições de competir no mercado internacional. De outro, como não há cobrança do ICMS, a empresa não tem como usar os créditos que acumulou ao comprar as matérias-primas. Em teoria, esses créditos são ressarcidos pelos cofres estaduais. Na prática, porém, o recebimento é difícil e não raro a empresa acaba com um 'mico' nas mãos. É o estoque desses micos que chega a R$ 15 bilhões.
'O pior é que não há nem perspectiva de quando os exportadores vão aproveitar esses créditos', disse ao Estado o assessor especial do Ministério da Fazenda, André Paiva. Ele observou que, na prática, a falta de pagamento dos créditos vira um custo para a empresa. 'É um capital que poderia já ter sido aplicado no negócio.'
O pagamento dos créditos de ICMS ocupa um lugar de destaque entre as medidas que o governo analisa para estimular as exportações do setor automobilístico, que vêm amargando queda em suas vendas para outros países. Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, essas medidas de ajuda às montadoras serão anunciadas no prazo de 20 a 30 dias. Existe um grupo formado por técnicos do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) analisando esse problema, além de outras formas de melhorar as exportações das montadoras.
Para o economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Edgard Pereira, a falta de pagamento dos créditos converteu o que era um incentivo num empecilho. 'É uma forma de estímulo à exportação que acabou virando contra', afirma. 'O crédito do ICMS acaba atuando como se fosse um imposto sobre a exportação, é um custo a mais para a empresa.'
A irracionalidade tributária acaba se refletindo no comportamento das exportações. O vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro lembra que a falta de pagamento dos créditos do ICMS atinge mais fortemente os produtores de bens industrializados e poupa o exportador de produtos básicos. 'Estamos exportando menos óleo de soja para a China e exportando mais soja em grão', exemplificou. Como é uma matéria-prima, a soja em grão não gera créditos de ICMS e o negócio acaba sendo mais vantajoso.
O peso do crédito do ICMS gerou outra distorção na indústria, segundo Castro. 'A economia de escala foi revogada.' Para a média das empresas, só vale a pena exportar até 35% da produção. Acima disso, a quantidade de créditos gerada é um peso grande demais. Ele alertou que o problema começa a ocorrer também com tributos federais, como a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS). Ambos, antes cobrados sobre o faturamento, passaram a ser calculados da mesma forma que o ICMS, a cada etapa de produção.
Pereira contou que um grande empresário, cuja companhia é uma das líderes em vendas ao exterior, ficou surpreso ao constatar que a soma de créditos tributários a receber estava na casa dos bilhões. 'É um problema de grande magnitude', frisou. Segundo Paiva, quanto mais complexa é a cadeia de produção de um bem, maior é o crédito que acumula.
Os números coletados pelo governo federal mostram que perto de metade dos créditos a receber, aproximadamente R$ 7,5 bilhões, está em São Paulo. A Secretaria de Fazenda do Estado informa que vem fazendo um enorme esforço para quitar o estoque, e tem autorizado compensações no valor de R$ 200 milhões a cada mês.
O pagamento não é mais rápido porque a União tampouco vem fazendo sua parte, argumenta o governo paulista. O Estado diz que deveria receber R$ 4 bilhões dos cofres federais a cada ano, a título de repasses referentes à Lei Kandir (que isentou do ICMS a exportação de produtos básicos e semi-elaborados). Em vez disso, recebe apenas R$ 800 milhões. O valor dos repasses da Lei Kandir é um tema controverso entre os Estados e a União.
REFORMA
O governo federal havia feito uma proposta aos Estados para liquidar com os créditos de ICMS sobre o setor exportador. Seria criado um fundo, parcialmente alimentado pelo ICMS cobrado sobre importações e engordado também com repasses do governo federal. 'Mas é um desenho que, sozinho, gerou muita resistência', admitiu Paiva. 'A proposta gerava ganhadores e perdedores. Na prática, os Estados importadores líquidos financiariam os Estados exportadores.'
As negociações, que começaram em 2004, pararam no fim do ano passado, quando o governo decidiu enviar ao Congresso uma proposta ampla de reforma tributária. 'Agora, precisamos de um desenho para os créditos que se integre à reforma', explicou. A proposta de reforma tributária do governo ainda está em elaboração e não ficará pronta antes de agosto.
Para Castro, da AEB, a solução é simples: 'A União deveria ressarcir os Estados por esses créditos, porque os Estados não têm dinheiro.' O Iedi apresentou, no ano passado, uma proposta de securitizar os créditos. As empresas que possuem créditos poderiam transformá-las em títulos, que, por sua vez, poderiam ser comprados com desconto por outras empresas que pagam muito ICMS.