Título: Uma reforma que empacou
Autor: Oliveria, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/06/2007, Economia, p. B2

O prefeito da pequena cidade gaúcha de Mariana Pimentel, Joel Ghisio (PMDB-RS), ingressou com ação na Justiça federal reivindicando o direito de seu município fiscalizar e cobrar o Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (ITR). Esse direito foi instituído pela emenda constitucional 42 de 2003, que promoveu a reforma tributária do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ghisio ganhou a ação em primeira instância, mas a Receita Federal do Brasil (RFB) recorreu e transferiu o processo para o foro de Brasília.

Embora tenha o direito assegurado pela emenda 42, o prefeito Ghisio não consegue cobrar o ITR por causa de uma exigência feita pela RFB. A emenda 42 foi regulamentada pela lei 11.250/2005, que atribuiu à Receita Federal a função de fixar requisitos e condições para a celebração de convênio com os municípios que optem pela fiscalização e cobrança do ITR. Ocorre que uma das exigências da Receita é a de que o município interessado precisa ter quadro de carreira de servidores ocupantes de cargos de nível superior com atribuição de lançamento de créditos tributários.

Essa exigência exclui 90% dos municípios brasileiros, segundo o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski. A quase totalidade dos municípios brasileiros não possui servidor de nível superior em suas estruturas tributárias. Essa realidade não impede que eles cobrem o Imposto sobre Serviços (ISS) e o IPTU, seus dois principais tributos.

Ou seja, a estrutura municipal usada para cobrar e fiscalizar o ISS e o IPTU não serve, segundo a avaliação do fisco federal, para cobrar e fiscalizar o ITR. Ziulkoski alega que a Receita definiu requisitos e condições que não constam da emenda 42. 'A instrução normativa da Receita afronta a autonomia administrativa e organizacional dos municípios', afirmou, em conversa com o colunista. Este foi o argumento usado pelo prefeito Ghisio, em sua ação na Justiça.

Por isso, o presidente da CNM acusa a Receita de não querer passar a cobrança e fiscalização do ITR aos municípios por razões corporativistas, contrariando uma orientação do presidente Lula. Foram os prefeitos que pediram a Lula a transferência da cobrança e da fiscalização do ITR para os municípios. Eles viram no ITR, principalmente os prefeitos de municípios com extensa área rural, uma possibilidade de elevar suas arrecadações tributárias.

O ITR foi idealizado para desestimular os latifúndios improdutivos e a compra de terras com objetivo especulativo. Mas a arrecadação do imposto chega a ser irrisória se comparada ao número de propriedades rurais. 'O Brasil tem cerca de 7 milhões de propriedades e a arrecadação do ITR não chega a R$ 400 milhões', observou Ziulkoski.

Os dados mostram que a participação do ITR no total da arrecadação administrada pela RFB está caindo. Em 2003, chegou a 0,11% do total. No ano passado, a participação caiu para 0,9%. A razão para isso é que a arrecadação do ITR cresceu menos, nos últimos anos, do que a média dos demais tributos.

Lula atendeu à reivindicação dos prefeitos e incluiu na proposta de reforma tributária a possibilidade de os municípios cobrarem o ITR. Depois de aprovada, a emenda constitucional determinou que 100% da receita do ITR fique com os municípios, desde que optem por cobrar e fiscalizar esse imposto. Se não exercerem essa opção, os municípios ficarão apenas com 50% da arrecadação.

A perda de receita que a União teria com a reforma tributária do primeiro mandato de Lula, portanto, ainda não ocorreu, pois os municípios não conseguem assumir a cobrança e a fiscalização do ITR. 'Não tenho notícia de nenhum município que conseguiu assinar um convênio com a Receita', informou Ziulkoski. Este colunista consultou a RFB sobre o assunto. Por meio de sua assessoria de imprensa, a RFB disse que não faria comentários.

Os municípios criticam também a decisão da RFB de cobrar 10% de toda a arrecadação do ITR pela utilização de seu sistema de dados relacionado com esse imposto. Isso significa que os municípios ficarão com apenas 90% da receita do ITR e não com os 100% como determina a emenda 42. 'A Receita queria ficar com 20%, nós é que brigamos e terminou em 10%', disse o presidente da CNM.

O governo Lula quer agora iniciar uma segunda etapa da reforma tributária, mais abrangente. A proposta apresentada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, prevê a incorporação do ISS ao novo Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) estadual. Com base na experiência da reforma feita no primeiro mandato do presidente Lula, os prefeitos têm todos os motivos para ficar com um pé atrás.