Título: O que é que está faltando agora?
Autor: Rocha, Marco Antonio
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/06/2007, Economia, p. B2

Deixando de lado o fato de que falta muita vergonha na cara, pudor e moralidade entre nossas lideranças políticas - o que já é um passivo acabrunhante -, o que mais estaria faltando para este país ganhar crescimento econômico sustentado por muitos anos?

A decisão do Copom da semana passada foi mais um fator entre os vários que se conjugam para dar esse impulso e reforçou as expectativas otimistas predominantes no mercado. Não só por ter reduzido em 0,5 ponto de porcentagem a taxa Selic, conforme se esperava, mas por ter sinalizado, com isso, que antevê um cenário favorável para a evolução dos preços e da inflação - sempre a principal preocupação dos membros do Copom, coisa de que pouca gente se dá conta ao criticar a ortodoxia monetarista do órgão. (Abrindo parênteses, diríamos que não há que estranhar essa atitude das autoridades monetárias, quando se lembra que a atribuição principal do Copom e do Banco Central (BC) é a de evitar que a inflação corroa o valor da moeda, e não a de promover o desenvolvimento, que compete às áreas de formulação de política econômica do governo.)

Bem, mantida essa nova atitude do Copom, os especialistas prognosticaram que a Selic fechará o ano em 10,5%, o que resultaria numa taxa real, descontada a inflação, em torno de 6%. De qualquer forma, ainda estaríamos entre os campeões mundiais de taxas de juros básicas elevadas, atrás, ao que parece, apenas da Turquia e da Venezuela. Isso no que se refere à taxa básica, pois quanto às taxas efetivamente praticadas no mercado interno - valha-nos Deus!! - nem os mais empedernidos agiotas do planeta nos superam.

Há aí uma situação exorbitante: o que o governo paga às instituições financeiras que compram seus títulos é muito mais do que elas pagam aos seus clientes-aplicadores e muitíssimo menos do que elas cobram dos seu tomadores de empréstimos. Então, o pressuroso anúncio propagandístico de alguns bancos, em seguida à resolução do Copom, inclusive o Banco do Brasil, de que reduziram suas taxas é um verdadeiro tiro no pé, ou tiro na imagem do setor. A menor das taxas proclamadas, de 1,2% ao mês, representa 15,39% em 12 meses, no crédito consignado para aposentados. A média dos juros efetivamente praticados no mercado é muito mais elevada. Para capital de giro, importantíssimo no desenvolvimento dos negócios, era de 30,8% ao ano na última informação do BC, que, por causa da greve, desde março não nos brinda com esses dados. No que se refere a juros do comércio, importantes para o consumidor, a média é de 100% ao ano. Sem falar nas taxas que deveriam constituir-se em notitia criminis para o Ministério Público, como as do cheque especial ou dos cartões de crédito.

Então, o problema principal no Brasil nesse quesito dos juros não é propriamente a taxa Selic, ou taxa básica, e sim a ampla diferença entre ela e as taxas efetivamente praticadas no mercado. Ao contrário do que acontece em outros países, até mesmo aqui, na mal administrada América Latina, onde as diferenças entre taxas básicas e taxas de mercado são muito menores.

É muito bom que a inflação se mantenha numa curva declinante, que o poder aquisitivo se acomode numa curva ascendente - como parece que tem sido -, que o emprego formal esteja aumentando, que a acumulação de reservas seja tranqüilizadora, que o comércio externo esteja aumentando, que a demanda estimule a oferta sem pressionar a inflação - suprida em boa parte pela importação -, mas para que tudo isso seja sustentável a médio e longo prazo é essencial que os juros efetivamente praticados propiciem o investimento e o aumento da produção, ao invés de serem obstáculo.

Esse obstáculo ao desenvolvimento tem causa e nome objetivos, além daquela que o público sempre aponta, ou seja, a ganância dos banqueiros. Chama-se dívida pública - um dos componentes das 'necessidades de financiamento do setor público'. Os governos se financiam basicamente de quatro maneiras: com os impostos, com a emissão de moeda, com a inflação e com o endividamento junto ao público. Os bons governantes, ou melhor, aqueles que são bons por imposição rigorosa do público, das leis e da qualidade das lideranças do país - uma vez que bons governantes por virtude própria não existem, nunca existiram e nunca existirão -, lançam mão de maneira moderada e equilibrada das quatro formas de autofinanciamento. Os demagogos e patifes, que são a maioria, lançam mão de qualquer um dos instrumentos, ou dos quatro, a seu bel-prazer, no interesse exclusivo do seu prestígio.

A situação atual no Brasil é a resultante da ação destes últimos. Durante anos os quatro instrumentos foram malbaratados. Quando a conseqüência previsível - a inflação - alcançou níveis absolutamente insuportáveis, o governante de plantão foi obrigado a tomar medidas sérias. Com isso o governo perdeu dois instrumentos sem-vergonha de financiamento das suas necessidades: a inflação e a emissão de moeda. E como não pôde, não quis ou não conseguiu cortar seus dispêndios na mesma proporção, os dois outros instrumentos tiveram de ser turbinados: o endividamento público e a carga tributária explodiram desde que a inflação e a emissão de moeda foram controladas.

Então, o que está faltando agora para tocar uma economia que tem tudo para ser pujante é mais velocidade na redução dos juros e na redução da carga tributária.

O que, novamente, exige o corte - que não foi feito no início do Plano Real - nos dispêndios públicos, pois são eles que ditam o tamanho do endividamento dos governos e, portanto, o tamanho dos juros e da carga tributária. Sem isso o Brasil nunca chegará realmente ao investment grade - por mais que uma ou outra agência aferidora de riscos internacional diga que já chegou.