Título: Chávez golpeia as liberdades
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/05/2007, Notas e Informações, p. A3

Neste domingo, o coronel Hugo Chávez consuma mais um atentado às liberdades na Venezuela, fechando a RCTV, a única rede de televisão que ainda faz oposição a seu governo. Na terça-feira, o Tribunal Supremo de Justiça, inteiramente controlado por Chávez - que também domina o Legislativo -, decidiu que o presidente da República pode não renovar a licença de funcionamento da emissora de televisão. A corte não tomou conhecimento do fato, levantado pelos proprietários da RCTV, de que a licença de funcionamento só expira dentro de dois anos - e assim ficou valendo a interpretação do coronel Chávez, de que o prazo expira hoje. Numa sentença subserviente, o Tribunal decidiu ainda que o fechamento da RCTV não representa cerceamento do direito de expressão.

A RCTV, fundada há 53 anos, é a emissora de maior audiência na Venezuela, graças a uma programação equilibrada de novelas, programas de variedades e um jornalismo independente. Não foi à toa que uma pesquisa de opinião feita em abril pela Datanalisis revelou que 70% dos venezuelanos se opunham ao fechamento da emissora, e 40% das pessoas consultadas se declararam chavistas. Sindicatos e organizações não-governamentais organizaram manifestações de rua, com a presença de milhares de pessoas, contra o fechamento. A Organização dos Estados Americanos, o Senado chileno, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Sociedade Interamericana de Imprensa, além de organizações ligadas à União Européia, protestaram contra mais esse atentado à liberdade de expressão e pediram ao presidente Hugo Chávez que reconsiderasse sua decisão.

Mas Chávez foi irredutível. ¿Digam o que disserem, façam o que fizerem, urrem o quanto quiserem, a licença não será renovada¿, garantiu. De fato, a decisão de Chávez é monocrática e autoritária. Ele acusa a RCTV de ter apoiado o golpe que o tirou do poder por 48 horas, em 2002. Naqueles dois dias a emissora transmitiu apenas filmes e vídeos musicais. Chávez nunca processou a emissora e seus diretores e todo o caso montado contra a RCTV baseia-se em declarações feitas por ele em seus programas semanais em rede nacional de rádio e televisão.

A RCTV paga o preço de ser independente. As outras emissoras privadas de rádio e televisão há anos chegaram a bons termos com o coronel Chávez e, por isso, não são incomodadas. Mas a RCTV, dirigida por Marcel Granier, continuou fazendo um jornalismo objetivo, chocando-se, por isso mesmo, com o projeto bolivariano. Num primeiro momento, Chávez tentou cooptar a direção da rede. Como isso não funcionou, passou para o método da coação financeira e da intimidação física. Cerca de 150 funcionários da RCTV - denuncia Granier - já foram agredidos por integrantes dos Círculos Bolivarianos. No pior atentado, um caminhão em chamas foi projetado contra a entrada principal do prédio da RCTV. Os autores desses atentados nunca foram identificados.

Agora, o coronel Hugo Chávez cala a RCTV fazendo uso dos imensos e arbitrários poderes que acumulou, entre eles o de editar leis delegadas, que não passam pelo Congresso.

No lugar da RCTV, nas mesmas freqüências, irá ao ar, ainda hoje, a Teves, da recém-criada Fundação Televisora Venezuelana Social, que se somará às três redes estatais já existentes.

O coronel Hugo Chávez, que já controla as instituições do Estado venezuelano, agora se dedica a ampliar e consolidar o controle da sociedade. Na terça-feira anunciou a criação de uma polícia comunitária, formada por militantes bolivarianos. Essa polícia de bairro deverá integrar os Conselhos Comunitários, organizações chavistas concebidas para esvaziar as funções dos prefeitos municipais.

O pretexto para a formação da polícia comunitária é o combate à criminalidade. Mas o modelo de Chávez, para variar, é Cuba. Segundo ele, o problema da segurança pública é explosivo em toda parte. ¿Agora, se você vai para Havana, é muito raro que se registre algum homicídio, porque tem outro modo de vida, que não é esse modo consumista.¿ Pois à moda dos Comitês de Defesa da Revolução do companheiro Fidel, ele cria a sua polícia de bairro, que não é para combater o crime, mas para impor lealdade à ¿revolução¿.