Título: Morro espera obras há oito anos
Autor: Décimo, Tiago
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/05/2007, Nacional, p. A8

Espremido entre um morro sem cobertura vegetal e um rio praticamente sem leito, o comerciante Joilson Ferreira Santos, de 42 anos, espera pelo pior a cada inverno, a época das chuvas na Bahia. Proprietário de um boteco perto da base do Morro da Manteiga, no bairro de Nova Vitória, em Camaçari, região metropolitana de Salvador, ele diz sonhar constantemente com a terra caindo sobre as casas dali - e com o rio transbordando e invadindo os barracos construídos à sua margem. ¿Estamos cercados. Não temos para onde correr.¿ O sentimento de Santos, morador no local há 32 anos, é compartilhado pelos 3.200 habitantes da área, palco das obras contratadas pela Prefeitura de Camaçari à Construtora Gautama, em 1999.

¿Só não saímos daqui porque não temos mais para onde ir¿, afirma a desempregada Joselina Roque, de 28 anos, que mora com mãe, irmã, dois filhos e sobrinha numa casa de tijolos sem reboco e tábuas separando os três cômodos. ¿Qualquer hora vai ter uma tragédia.¿

Os problemas começaram há 30 anos, quando surgia o Pólo Petroquímico na cidade. Naquele tempo, muitos morros da região foram escavados para retirar cascalho para as obras. À época, aquele morro não tinha o apelido de ¿manteiga¿. Era Nova Vitória. ¿Limparam tanto o monte que ele ficou pelado¿, conta Santos. ¿Basta qualquer chuvinha que derrete feito manteiga - daí o nome.¿

Os deslizamentos do morro, que hoje não tem mais que 40 metros de altura, causaram um segundo problema: o leito do Rio Camaçari, que passa perto de sua base, recebeu a terra ao longo do tempo. Sua calha praticamente não existe mais. O que se vê, em dias secos, é um filete de água e esgoto correndo ao lado dos casebres. Nos dias de chuva, a água vai para fora do antigo leito, levando riscos de inundação e de transmissão de doenças para a população.

Foi feito um plano para resolver o problema. Pelo projeto, orçado em R$ 19.764.991,44, em 1999, de acordo com o contrato firmado em 27 de setembro daquele ano pelo então prefeito José Eudoro Reis Tude (DEM) e pelo sócio majoritário da Gautama, Zuleido Soares Veras, a construtora se comprometia a fazer obras de contenção e reflorestamento no morro, refazer o leito do rio e construir pontes de acesso, no prazo de 365 dias corridos a contar da expedição da ordem de serviço. Tal ordem nunca foi expedida. Segundo a prefeitura, tampouco foi paga.

De acordo com o ex-prefeito de Camaçari Helder Almeida (PP), antecessor do atual prefeito, Luiz Caetano (PT), as obras não foram realizadas por falta de recursos. ¿Eram para ser feitas com recursos próprios da prefeitura, mas o orçamento ficou alto demais. O prefeito resolveu não fazer algo para parar no meio¿, justifica. Ele acrescenta que, na época, a arrecadação do município era de R$ 17 milhões mensais. Hoje passa de R$ 42 milhões.

O atual prefeito tentou retomar a obra. Chegou a requisitar ao Tribunal de Contas do Município (TCM) uma consulta sobre a legalidade de retomar aquele contrato de 1999 em 2005. Antes disso, em novembro de 2003, os sócios da Gautama, Zuleido Veras e Latif Mikhaiel Jabur Abud, haviam formalmente rompido a sociedade. O contrato foi passado, em comum acordo, para a construtora de Abud, a LJA. O TCM respondeu positivamente à consulta em 16 de agosto de 2005.

No ano seguinte, porém, a prefeitura desistiu de tocar a obra com a LJA. Segundo a Coordenação de Comunicação do município, a decisão foi tomada porque havia ainda muitas dúvidas sobre o processo de separação na Gautama. Um processo administrativo foi remetido para a Procuradoria-Geral do Município (PGM) para que fosse emitido um parecer sobre a possibilidade de revogação do contrato. A PGM considerou ¿legal e legítima¿ a revogação da concorrência, em 23 de outubro último.

A prefeitura, então, abriu novo processo licitatório para a obra. Nem a Gautama, nem a LJA participaram. O valor das obras diminuiu consideravelmente, para pouco mais de R$ 12 milhões - 90% do valor viria do governo federal, via Caixa Econômica Federal. A LJA, porém, impetrou um mandado de segurança contra a licitação. Ele foi deferido pelo juiz Alex Fabiane Arantes, em 13 de abril. O processo está parado, no momento.

Alheia ao imbróglio e às acusações de desvios de dinheiro público relativas às obras, a população do local só espera que alguma providência seja tomada - e rapidamente.

¿Se pegaram alguém que queria ganhar dinheiro com a obra, é bom, porque, pelo menos, todo mundo fica sabendo da nossa condição aqui¿, afirma Santos. ¿Só espero que tudo se resolva antes que o morro caia sobre a gente.¿