Título: No Maranhão, ponte sem estrada vira salão de sinuca de família
Autor: Moraes, Marcelo de
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/05/2007, Nacional, p. A14

Erguida em 2006 para incrementar a malha rodoviária da região dos Lençóis Maranhenses - a principal atração turística do Maranhão -, a ponte sobre o Rio Formiga, no município de Paulino Neves, até hoje só serviu para beneficiar uma única família. A estrutura levantada literalmente no meio de uma mata fechada, ao custo de R$ 1,8 milhão e sem interligar estrada alguma, serve como uma espécie de área de lazer para o professor de ensino fundamental Camilo Reis e sua família. Reis, que mora numa palhoça ao lado da ponte, rapidamente se espalhou em direção à obra e colocou lá uma mesa de sinuca. Cobra R$ 0,25 por ficha para que os vizinhos se divirtam.

¿Até hoje nunca veio estrada nenhuma para cá. Só essa ponte. Vocês têm notícia da estrada?¿, pergunta Reis, ressabiado, enquanto arruma as bolas na mesa de sinuca.

Símbolo do desperdício flagrado pelas investigações da Operação Navalha, desencadeada pela Polícia Federal no último dia 17, a ponte do Rio Formiga é uma das quatro espalhadas pelo norte do Maranhão com as mesmas características. Todas ligam nada a coisa alguma e foram levantadas durante o governo de José Reinaldo Tavares (PSB), um dos 47 presos durante a operação. Ele ficou detido na Superintendência da PF em Brasília por três dias.

A responsável pelas obras no Maranhão é a Construtora Gautama, do empresário Zuleido Soares Veras, considerado o cabeça da chamada máfia das obras investigada pela PF.

No caso da ponte do Rio Formiga, a Gautama ganhou a obra, mas sublocou sua execução para a Construtora Ipanema. Das quatro pontes, é a de valor mais alto. ¿R$ 1.812.552,52¿, informa, de cor, o professor.

ALUGUEL

Durante a construção da ponte de 60 metros, Camilo Reis alugou sua palhoça para o mestre de obras da construtora. Por quatro meses, morou com a família na casa dos pais e ficou recebendo um aluguel de R$ 120. No quinto mês, o trecho da ponte ficou pronto e todos foram embora. E Reis nunca viu a cor do dinheiro do aluguel referente ao último mês.

¿A gente vê na televisão que essa obra aqui teve problema¿, diz o professor, enquanto vê Maria de Jesus, que também mora ali perto, limpar um tambaqui que acabara de comprar. Será o almoço do grupo mais tarde. ¿Acho que não vai ter estrada não¿, aposta.

O esquema das pontes para estradas fantasmas foi investigado detalhadamente pela Polícia Federal na Operação Navalha. O gasto com as quatro pontes gira em torno de R$ 6 milhões. E só vistorias técnicas poderão dizer se o que foi feito ainda poderá ser aproveitado.

Os recursos para as obras vieram da Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (CIDE). A que fica sobre o povoado Barro Duro, em Tutóia, rendeu R$ 1,5 milhão para a Gautama.

As outras três custaram R$ 4,5 milhões e fariam parte da Rodovia Translitorânea, a BR-402, mas a estrada está a muitos quilômetros de distância delas.

¿ADIANTAMENTO¿

O acesso à ponte sobre o Rio Formiga é difícil. A obra fica em Passagem do Lago, pequeno povoado do município de Paulino Neves, a cerca de 300 quilômetros de São Luís.

Para chegar lá, só usando veículos com tração nas quatro rodas, já que não há qualquer sinal de asfalto. Depois de cerca de uma hora e meia de carro, a partir da cidade de Barreirinhas, enfrentando trilhas precaríssimas de areia e pedra, é que se consegue chegar ao destino.

Na última quinta-feira, o governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT), anunciou que dará prioridade à construção das estradas que nunca chegaram a essas pontes. Ele alega que a construção das pontes foi apenas um ¿adiantamento¿ de toda a obra.

Tanto Jackson Lago como o seu antecessor, o ex-governador José Reinaldo Tavares, argumentam que as pontes foram pagas e construídas.

FIM DE SEMANA

De fato, elas estão lá. Só não servem para nada. Quer dizer, pelo menos uma delas serve para Camilo Reis, que tem o teto mais caro do mundo para seu ¿salão de sinuca¿.

¿No fim de semana, aparece mais gente e dá para aproveitar bem a mesa¿, comemora ele.