Título: Quo vadis?
Autor: Barbosa, Rubens
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2007, Espaço Aberto, p. A2

Participei recentemente de encontro sobre Mercosul no Woodrow Wilson Center, em Washington. Ali se discutiram os cenários estratégicos futuros para o Mercosul e as atuais relações entre os Estados membros.

Os palestrantes - ex-ministros das Relações Exteriores do Paraguai e do Uruguai e ex-altos funcionários da Argentina e do Brasil com ligações estreitas com o Mercosul - em larga medida refletiram as percepções dos governos e agentes econômicos hoje prevalecentes em seus respectivos países. Essas visões variaram de uma profunda frustração com os resultados do Mercosul nos últimos anos a um grau diferenciado de ceticismo quanto a avanços significativos no processo de integração. No tocante aos cenários estratégicos para o Mercosul, todos reconheceram o estado atual de paralisia das negociações em relação aos objetivos finais do Tratado de Assunção (livre circulação de bens, coordenação macroeconômica, harmonização de regras).

Houve concordância de pontos de vista quanto às razões das dificuldades atuais do bloco:

Falta de vontade política, da parte de todos os países, para enfrentar os desafios que o déficit institucional do Mercosul representa;

a não-aplicação plena das regras vigentes e dos mecanismos de solução de controvérsias do Mercosul nas disputas internas (comerciais, políticas e econômicas) cada vez mais freqüentes;

falta de liderança do Brasil para levar adiante uma profunda reforma institucional para a revitalização do Mercosul;

as estratégias do Brasil (visão de longo prazo do processo de integração no contexto sul-americano) e da Argentina (visão comercialista de curto prazo) são distintas e muitas vezes contraditórias;

o aumento do número de membros plenos do bloco com a incorporação da Venezuela e, possivelmente, da Bolívia terá conseqüências sérias para a eficácia do Mercosul e a consolidação de seu processo decisório;

a perda da importância relativa do Mercosul no contexto de todos os membros (no caso do Brasil, a participação do bloco no comércio externo brasileiro caiu de cerca de 16% para menos de 10%).

De minha parte, indiquei que, em decorrência do estado das negociações e dos problemas institucionais derivados da não-aplicação plena do Tratado de Assunção, que criou o Mercosul, três seriam os cenários futuros que poderiam ser vislumbrados:

O Mercosul, como uma união aduaneira imperfeita, continuará como hoje, paralisado e pouco significativo como propulsor do comércio dentro do bloco. O aumento do comércio entre os quatro países membros pouco teve que ver com o funcionamento dos mecanismos e das regras do Mercosul e, por outro lado, a negociação externa conjunta limita e dificulta a adequada defesa dos interesses brasileiros.

A volta para uma área de livre comércio. As dificuldades para aprofundar a união aduaneira a fim de corrigir as distorções e perfurações e para avançar nas negociações comerciais externas levarão o governo e o setor privado, nos próximos anos, a reexaminar essa matéria. Uma nova institucionalidade, com diferentes velocidades e com maior flexibilidade na aplicação das regras poderá ser uma perspectiva futura.

Transformação do Mercosul em pacto de natureza política. O aparente avanço do exercício de integração por meio de símbolos (criação, por exemplo, do Parlamento e do Instituto Social) transformará a natureza do bloco, que, originalmente comercial, passaria a ser um fórum de articulação política.

No que diz respeito às relações entre os países membros do Mercosul, alguns dos painelistas ressaltaram que:

As relações intrabloco deterioraram-se, ao invés de melhorarem;

o Brasil encontra dificuldade para substituir o Mercosul por um espaço mais amplo na América do Sul;

em termos do equilíbrio de poder na região, prevalece a multipolaridade, sendo difícil a emergência de um país como líder regional;

o aparecimento da Venezuela como uma liderança competitiva com o Brasil apresenta desafios com que Brasília não está sabendo lidar;

os crescentes problemas entre os países membros, inclusive os associados, e a explicitação de agendas nacionais tornam cada vez mais difícil aprofundar as prioridades de um regionalismo que beneficie todos;

o enfraquecimento do Mercosul abriu espaço para a prevalência das relações bilaterais, com o Brasil, na retórica do atual governo, procurando aprofundar sua solidariedade e generosidade em relação aos países menores.

À guisa de conclusão, os debates evidenciaram o contraste entre a retórica otimista de todos os países em relação ao Mercosul e os parcos resultados na negociação comercial. Exemplo desse contraste é a afirmação do lado brasileiro de que os avanços no Mercosul têm ajudado a mudar a geografia comercial do mundo. Por outro lado, apesar das declarações públicas do governo, o Mercosul está-se tornando irrelevante do ponto de vista da integração comercial. Sem vontade política e sem a observância de uma disciplina coletiva nas regras, crescerá o déficit de credibilidade e de eficácia do Mercosul.

A grande pergunta que ficou no ar é: qual será o papel do Brasil nesse processo?

Seria o Mercosul pequeno para o Brasil, impondo-se uma reavaliação da estratégia que vincule a posição brasileira à de quais membros? Como o Brasil reagirá ao desafio da presença de outro pólo de poder (Venezuela) na América do Sul? Como o Brasil reagirá a uma agenda que a Venezuela e seus seguidores no novo eixo em formação estão impondo na região (Banco do Sul, megagasoduto, medidas populistas-nacionalistas)? Como o Brasil reagirá aos desafios do ingresso da Venezuela e da Bolívia no Mercosul (negociações comercias e cláusula democrática)?

Até aqui, como se viu nos últimos dias, no tocante ao fechamento da TV privada venezuelana, as reações oficias são dúbias e hesitantes.