Título: Sobra dinheiro e fundos vão às compras
Autor: Cançado, Patrícia e Pereira, Renée
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/05/2007, Economia, p. B4
O aumento da liquidez internacional deu um poder de fogo assustador aos fundos que compram participação em empresas, conhecidos no mercado como private equity. Só até maio, eles já gastaram quase meio trilhão de dólares com aquisições. O valor é 114% superior ao de igual período de 2006. Em todo o ano passado, essas operações somaram US$ 750 bilhões.
A boa fase da economia teve início em 2002, quando os Estados Unidos começaram a crescer a passos largos, elevando o consumo e puxando o resto do mundo. Junta-se a isso a vigorosa expansão da China à taxa média anual de 10% há uma década. Isso só foi possível graças ao nível baixo das taxas de juros, o que reduziu o custo de captação e, conseqüentemente, aumentou a oferta de crédito.
Com dinheiro, os gestores de fundos procuraram investimentos alternativos. Entre eles, o private equity, que costuma ter retorno acima das aplicações tradicionais. Em geral, esses fundos compram empresas de capital fechado, assumem a gestão, turbinam o crescimento e depois saem do negócio, com a venda ou a abertura de capital.
Com o excesso de liquidez, isso mudou. Várias dessas megaaquisições passaram a envolver empresas com capital aberto. Para conseguir retorno, eles fecham o capital - já que manter uma companhia na bolsa custa caro - e cortam custos. Há ainda os fundos que têm como alvo empresas com dificuldade financeira, cujo risco é bem maior, mas garantem ganhos melhores. É caso da Chrysler, adquirida neste mês pelo fundo Cerberus, que comprou 80% das ações da companhia por US$ 7,4 bilhões.
¿No curto prazo não há sinal de que a liquidez vai acabar. Mas, se houver uma diminuição no ritmo, os fundos podem ter dificuldade para sair dos negócios, já que normalmente isso ocorre por meio da bolsa¿, destaca o sócio da PricewaterhouseCoopers, Raul Beer.
Outra preocupação está associada a uma possível alta dos juros - para conter um crescimento exagerado do consumo. Isso porque o dinheiro para comprar empresas é captado a juros baixos. ¿Como os empréstimos para fazer as aquisições são astronômicos, a alta da taxa aumenta a dívida e pode até criar uma quebradeira das empresas e demissões em massa¿, diz um dos sócios do fundo Stratus, Álvaro Gonçalves.
Recentemente, em relatório sobre a Estabilidade Financeira Global, o Fundo Monetário Internacional chamou a atenção para a complexidade do financiamento para fusões e aquisições de empresas e operações de fundos de investimentos. Segundo o documento, numa crise isso poderia provocar reações em cadeia em vários mercados.
No capitalismo, é quase uma regra o ¿efeito manada¿. Quando um tipo de investimentos começa a dar retornos atraentes, os outros vão atrás. ¿Nesses casos, todo mundo sai comprando, o preço sobe e os ativos se valorizam bem acima da realidade. Chega um momento em que há necessidade de um ajuste. E é aí que está o problema, pois todo mundo sai vendendo e os preços despencam¿, diz o professor da FGV-Eaesp, Arthur Barrionuevo.
Há um consenso de que o ciclo de prosperidade vai acabar em algum momento. A elevação da inadimplência do mercado de financiamento imobiliário de alto risco dos EUA, que já ultrapassou 10%, é ameaçador. Além disso, a valorização dos ativos no mercado acionário já atingiu as máximas históricas.
O problema é que parte do dinheiro que tem provocado essa valorização vem dos investidores que pegaram dinheiro emprestado em mercados onde a taxa de juro é baixíssima. Por causa do excesso de dinheiro, os financiadores não estão sendo suficientemente criteriosos. A conta um dia vai chegar.