Título: 'Só queda de juro não valoriza câmbio'
Autor: Mello, Patricia Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/05/2007, Economia, p. B8

Se o real continuar se valorizando, mesmo com uma queda maior dos juros, talvez seja a hora de pensar em políticas menos ortodoxas, como o controle de entrada de capital . Essa é a opinião do economista Nouriel Roubini, presidente do RGE Monitor e professor da New York University. Longe de ser um expoente da heterodoxia, é um dos economistas internacionais mais influentes, ouvido até nas esferas conservadoras. ¿O melhor instrumento para lidar com o câmbio no Brasil, no momento, é mesmo a redução dos juros de forma mais rápida.¿

Mas, para ele, isso dificilmente será suficiente. Se a moeda continuar se valorizando e não reagir a medidas como queda de juros e redução de tarifa de importação, pode ser a hora de adotar algum tipo de controle de capitais - palavrão para alguns economistas.

A seguir, trechos da entrevista que Roubini concedeu ao Estado, por telefone. Ele acaba de lançar o blog Latin America Economonitor, sobre economia latino-americana, com participação de especialistas como Ricardo Hausmann, da Universidade Harvard, Guillermo Calvo, da Universidade Columbia, Márcio Garcia, da Pontifícia Universidade Católica do Rio, e Octaviano Canuto, vice-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento. A valorização do real é uma das principais discussões do blog.

O dólar chegou a R$ 1,93 na semana passada, menor nível desde 2001. Como o governo deve lidar com a valorização do real?

O governo vem comprando reservas e esterilizando (com emissão de dívida), mas isso dificulta a redução dos juros. O governo poderia aumentar o esforço fiscal para reduzir os juros. Mas pode ser difícil politicamente aumentar o superávit primário e uma política fiscal mais prudente pode ter efeito oposto - atrair mais capital estrangeiro, com a redução de riscos. O melhor instrumento, no momento, é mesmo a redução dos juros de forma mais rápida.

A redução mais acelerada dos juros vai brecar a valorização do real?

Vai ajudar, mas dificilmente será suficiente. A moeda vai continuar se valorizando, e é possível liberalizar mais importações para contrabalançar. Um certo grau de valorização da moeda não é ruim. Mas, se essas medidas não conseguirem reduzir a entrada de capitais - há muita liquidez global e otimismo dos investidores em relação ao Brasil -, o país poderia adotar algum tipo de controle sobre entrada de capitais especulativos. Poderia ser um controle de capitais formal ou por meio de regulamentações bancárias que funcionam como controle. Poderiam determinar depósito compulsório para fluxos de capital estrangeiro de curto prazo (o que já foi feito na época do Plano Real).

Para muito economista e investidor, controle de capital é um palavrão.

Vários países já tiveram controle na entrada de capitais, entre eles Brasil, China, Chile. A maioria das pessoas tem mais restrições em relação ao controle de saída de capitais do que entrada. A Tailândia tentou implementar um controle de entrada de capitais no início do ano mas fez de forma desastrada, e causou reação negativa no mercado. O controle de capitais precisa ser feito de forma inteligente e seletiva. Também é importante informar o mercado de como e porque vai implementar os controles.Mas ressalto que apenas uma sobrevalorização de 30%, 40%, é um problema real para competitividade.

Quando ocorreria a reversão na tendência de valorização da moeda?

Há um mecanismo de ajuste automático, por assim dizer. Os fluxos de capital estrangeiro não duram para sempre. Suponha que a moeda continue se valorizando. Em algum momento, as pessoas vão perceber que está supervalorizada e que não deve se valorizar muito mais, e que os ganhos de capital provenientes de expectativa de valorização podem estar diminuindo, e aí param de investir tanto no país. Existe um ajuste automático do mercado quando a moeda se torna sobrevalorizada.

Alguns setores no Brasil, como têxtil, calçados e móveis estão sofrendo bastante por causa da valorização do real. Não existe o risco de , se o real continuar se valorizando, essas indústrias perderem muita competitividade?

É preciso examinar se a economia como um todo está perdendo competitividade ou se são apenas setores menos eficientes. Certa valorização da moeda leva as empresas a serem mais eficientes. Uma certa alta do real é um incentivo à inovação e estimula as empresas a importarem bens de capital, que vão elevar a produtividade. Essa valorização ainda reduz a inflação, elevando o poder de compra do consumidor. Alguns economistas no Brasil sugerem que o governo reduza as tarifas de importação, para levar a um aumento de importações e à alta do dólar. Mas o governo, na realidade, está elevando as tarifas para proteger alguns setores, como têxteis e calçados. Tendo a preferir a idéia de que, ao longo do tempo, liberalização comercial e redução de barreiras são mais benéficas do ponto de vista do bem-estar dos consumidores.

Mas não é legítimo tentar ter algum tipo de rede de segurança para as indústrias mais afetadas?

É importante determinar se, com o tempo, essas indústrias poderão competir no mercado global, ou se estão sendo protegidas exageradamente e nunca vão conseguir sobreviver. Se a segunda hipótese for a verdadeira, proteger as indústrias acaba reduzindo a eficiência da economia.

Será um problema o Brasil deixar de ter um superávit em conta corrente?

Depende do que está por trás do déficit em conta corrente. O Brasil cresceu 3,7% no ano passado enquanto Rússia, China e Índia estão crescendo de 7% a 10%. Para aumentar o crescimento, é preciso elevar o investimento em relação ao PIB . Então, a não ser que as poupanças pública e privada aumentem muito, o Brasil terá de ter um pequeno déficit em conta corrente em algum momento. Desde que esse déficit seja causado por um boom de investimentos e não déficit orçamentário, desde que seja financiado por investimento estrangeiro direto e investimentos em ações de empresas, em vez de dívida de curto prazo em moeda estrangeira, não há problema. Um pequeno déficit em conta corrente não é necessariamente ruim.