Título: Café otimista
Autor: Graziano, Xico
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2007, Espaço Aberto, p. A2

Namorando a Terra. Assim se intitula um lindo livro de René Dubos em que o ecólogo francês, ao declarar amor à natureza, manifesta convicção na sobrevivência da humanidade. Afinal, nada está perdido.

Quando os cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) divulgaram o primeiro relatório sobre o aquecimento global, a opinião pública levou um choque. Potencializado pela mídia, milhões de pessoas, como dizem os jovens, caíram na real. Isso foi bom.

Por outro lado, quando os cientistas mais extremados, para gosto das manchetes, supervalorizam o estrago ambiental, cultivam o germe do imobilismo. Um perigo. Só resta, pensa o povo, chorar o leite derramado. Isso é ruim.

Posições catastróficas ajudam a despertar os incrédulos, tanto quanto provocam paralisia mental. Contribuem para o derrotismo ecológico os cenários assustadores elaborados a partir das previsões climáticas mais improváveis. Parece ciência, mas se resume a uma espécie de chutômetro.

O método científico exige teoria e, principalmente, possibilidade de comprovação das hipóteses levantadas. Na ciência se raciocina com probabilidades, dificilmente com certezas. Afirmar, por exemplo, que em 2100 as tormentas vão acabar com o mundo expressa uma crença, não uma previsão científica. Se a probabilidade está em 50%, pode ocorrer, pode não vingar. Dúvida pura.

Sabe-se que no copo d¿água pela metade se encontra a diferença entre o otimista e o pessimista. Para este, o copo está quase vazio. Para aquele, quase cheio. É relevante. O julgamento independe da real quantidade de água no copo. Definem-no valores prévios incrustados na mente das pessoas.

Hoje, 5 de junho, se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente. Os pessimistas dirão que o mundo se está acabando. Sua pregação crítica abordará a gravidade da crise ecológica. Já os otimistas ressaltarão êxitos obtidos na preservação ambiental. Para uns, problemas; para outros, soluções.

Na agenda da agricultura, o achismo anda exacerbado por conta do aquecimento global. Dizem que a frustração e a ira de milhões de famintos, resultado da desertificação e da aniquilação das lavouras pelo calor, debilitarão governos. O terrorismo poderá aumentar devido ao colapso agrícola. Deus me livre.

Na esteira dessas assustadoras previsões, divulgou-se no Brasil um estudo produzido por meteorologistas da Unicamp, em conjunto com a Embrapa Informática, mostrando o estrago que o aquecimento global deve provocar na agricultura. A cafeicultura paulista seria inviabilizada com um aquecimento de 3 graus Celsius, suposto para 2040. Os produtores ficaram apavorados.

Calma lá. Pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), liderados pelo maior especialista em café do País, Luiz Carlos Fazuoli, contestaram tal estudo. Em recente artigo, intitulado Aquecimento global, mudanças climáticas e a cafeicultura paulista, argumentam que aspectos primordiais foram totalmente ignorados por climatologistas que, intempestivamente, se meteram a entender de agronomia aplicada.

A aptidão térmica de uma cultura é dada por faixas de temperatura média. No caso do café arábica, a faixa preferencial situa-se entre 18 e 23 graus Celsius. Em São Paulo, a maior região produtora está na Média e Alta Mogiana, com altitudes de 800 a 1.200 metros, garantindo temperatura média entre 18 e 20 graus Celsius. Quer dizer, um eventual aumento de 3 graus elevaria essas temperaturas para 21 a 23 graus Celsius, continuando a região a ser considerada apta para a cultura do café arábica. Não aconteceria nada.

Mais importante: certas práticas agronômicas, se adotadas, atenuam o cenário de aquecimento, amenizando a temperatura. A principal delas é a arborização da lavoura. Explicam os pesquisadores do IAC que o cafeeiro é originário dos altiplanos da Etiópia, em condições de sub-bosque, ou seja, uma planta que se desenvolveu na meia-sombra. No Brasil, seu cultivo foi adaptado para pleno sol devido às latitudes mais elevadas e às altitudes inferiores às da região de origem na África. Não é o caso da América Central. Grande parte do cultivo na Colômbia, na Costa Rica, na Guatemala, no México, concorrentes do Brasil, se dá em ambientes arborizados, visando a reproduzir o hábitat original do café.

Pois bem, a arborização do cafezal proporciona uma diminuição de até 2 graus Celsius na temperatura, além de proteger contra ventos. Não se trata de um sombreamento exagerado, mas sim de uma população rala de árvores, entremeadas ao cafezal, da ordem de 60 a 70 plantas por hectare. Pode-se utilizar a grevílea, uma árvore ornamental, ou, então, plantar abacateiros, bananeiras e mesmo seringueiras, cultivos comerciais intercalados no café. Lavoura diversificada.

Várias outras práticas agrícolas, como irrigação, adensamento do plantio e manejo do mato, podem ser igualmente aplicadas. Afora o uso de novos cultivares, geneticamente melhorados, resistentes ao calor. Tudo isso permitirá, tranqüilamente, que a cafeicultura paulista enfrente o aquecimento global. Firme e forte.

Al Gore finaliza sua verdade inconveniente com um repto, dirigido especialmente aos norte-americanos, desafiando-os a transcender as limitações impostas pela crise ambiental. Criatividade, inovação e inspiração, afirma ele, criam novas oportunidades, forjando a civilização do futuro. Em meio a tanta desgraceira, a mensagem é positiva.

O ditado popular diz que do limão se pode fazer limonada. Basta ser otimista para salvar a humanidade. Trabalhar pela conservação ambiental. Sem abandonar o cafezinho.