Título: A rodada e o Plano B
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2007, Notas e Informações, p. A3
O ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, fez uma avaliação realista das possibilidades de acordo nas negociações globais de comércio. Ainda se poderá salvar a Rodada Doha, mas o resultado, muito provavelmente, ficará longe do que se ambicionava inicialmente. A abertura dos mercados agrícolas será menor do que a pretendida pelo Brasil e outros emergentes. Mas estes, em contrapartida, cederão menos que o desejado pelos parceiros desenvolvidos, em termos de comércio de bens industriais. ¿Nós vamos procurar a convergência entre o mínimo de ambição necessário e o que é aceitável¿, disse o chanceler em entrevista ao Estado. ¿Não vamos desindustrializar o Brasil e o Mercosul¿, acrescentou.
Ainda não há garantia de um acordo, porque o tempo restante é muito curto e os blocos e os países de maior peso mantêm divergências importantes. Apesar disso, o ministro manifesta certo otimismo, porque, segundo ele, os governantes das maiores potências mostram maior determinação de concluir a rodada. Ele preferiu não se estender sobre as divergências entre Brasil e Índia quanto às concessões dos emergentes no caso do comércio agrícola. ¿A Índia sabe que a conclusão da rodada será importante e que tem de ser agora. (...) Isto pode ser dito aos indianos. Mas não vamos dizer a eles o que devem fazer.¿
Diante da incerteza quanto ao futuro das negociações globais, o governo brasileiro deveria estar dando maior atenção a possíveis acordos bilaterais e inter-regionais de comércio - algo mais ambicioso do que foi tentado nos últimos quatro anos. Seria o Plano B. Mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua equipe têm falhado tanto na escolha dos objetivos quanto na execução das ações. O acordo de preferência comercial entre Mercosul e Índia, assinado há três anos, ainda não foi aprovado pelo Congresso brasileiro. Poderia ter sido, sem dificuldade, com um pouco mais de empenho do Executivo.
A negociação entre Mercosul e União Européia (UE), emperrada há anos, é obviamente a primeira alternativa, diante do risco de fracasso da Rodada Doha. A União Européia poderá atribuir ao Brasil, em breve, o status de parceiro estratégico. Essa decisão não envolverá diretamente a fixação de objetivos comerciais, mas esse desdobramento será natural, seja qual for o resultado das negociações globais. O diretor-adjunto da UE para Comércio e negociador-chefe para o Mercosul, Karl Falkenberg, esteve em São Paulo na semana passada. Juntamente com o diplomata Evandro Didonet, do setor de negociações comerciais do Itamaraty, ele anunciou para setembro a retomada das discussões entre os dois blocos. Falkenberg esteve na capital paulista depois de um giro pela Argentina, Paraguai e Uruguai, os outros sócios fundadores do bloco sul-americano. Segundo ele, a busca de um acordo com o Mercosul será a prioridade da UE depois do fechamento da Rodada Doha. É uma novidade positiva, mas o bloco europeu também pôs no alto da agenda, segundo noticiário recente, a aproximação com as dinâmicas economias da região da Ásia-Pacífico. Terá de fazê-lo, se não quiser ficar atrás dos Estados Unidos, que já negociaram com a Coréia do Sul e agora se voltam para outros países da área.
Mas o Mercosul ainda não está preparado para retomar a conversação com os europeus. Há divergências consideráveis no interior do bloco sul-americano, e nem o comércio do setor automotivo entre Brasil e Argentina foi ainda liberalizado.
A solução desse problema depende, em boa parte, das políticas internas dos países do Mercosul. Na Argentina, apenas começa a retomada de investimentos industriais, indispensáveis à melhora da competitividade. O chanceler Amorim, na entrevista ao Estado, chamou a atenção indiretamente para as dificuldades brasileiras: ¿Hoje, a nossa situação cambial evidencia sensibilidades que antes não seriam tão óbvias.¿
Se quisesse ir mais fundo na discussão do assunto, o ministro teria de reconhecer que as tais ¿sensibilidades¿ evidenciadas pela valorização do câmbio resultam principalmente do custo e da inoperância da máquina governamental: impostos muito pesados e de baixa qualidade, infra-estrutura insuficiente, excesso de entraves burocráticos e políticas deficientes de educação e de inovação tecnológica. Dificilmente a diplomacia comercial poderá ser mais audaciosa, enquanto a política interna for incapaz de remover esses obstáculos.