Título: Para Lula, crise por declarações de Chávez não está encerrada
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2007, Internacional, p. A14

A conversa de anteontem entre Hugo Chávez e o embaixador do Brasil em Caracas, João Carlos de Souza-Gomes, não foi suficiente para encerrar a crise aberta pelos ataques do presidente venezuelano ao Congresso brasileiro. Durante sua visita à Índia, ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou claro que o assunto está sem solução definitiva e voltará à pauta diplomática quando ele regressar ao Brasil, no sábado. 'Deixa eu voltar para resolver isso', afirmou Lula.

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, também sinalizou que a 'nuvem' nos contatos bilaterais ainda não passou. Simultaneamente, políticos brasileiros e representantes de associações e países que estavam no Panamá para acompanhar uma reunião da Organização dos Estados Americanos no (OEA)reforçaram as críticas ao governo Chávez por sua decisão de não ter renovado, na semana passada, a concessão da Rádio Caracas Televisão (RCTV), a emissora mais popular da Venezuela e a única de oposição com alcance nacional.

A crise entre o Brasil e a Venezuela teve início na semana passada, quando o Senado brasileiro aprovou uma moção de censura pelo fim das transmissões da RCTV. O presidente venezuelano reagiu acusando o Congresso brasileiro de repetir 'como um papagaio' as posições do Legislativo dos EUA.

Na sexta-feira, Lula emitiu uma nota dura em defesa das instituições brasileiras e ordenou a convocação do embaixador da Venezuela em Brasília, general Júlio García Montoya, para prestar esclarecimentos ao Itamaraty. Em entrevista à rede britânica BBC no sábado, mas divulgada ontem, o presidente adotou um tom mais conciliador, afirmando que o presidente venezuelano é um 'parceiro' do Brasil e 'não representa um perigo' para a América Latina. 'Chávez tem suas razões para brigar com os Estados Unidos. E os EUA têm suas razões para brigar com a Venezuela. O Brasil não tem razões para brigar nem com os EUA nem com a Venezuela', disse o presidente.

Ontem, porém, as críticas subiram de tom no Brasil, enquanto em Caracas milhares de estudantes participavam do oitavo dia de protestos contra o fechamento da emissora.

Em São Paulo, o vice-presidente, José Alencar, qualificou as acusações do presidente venezuelano ao Congresso brasileiro como 'desnecessárias'. O ministro das Relações Institucionais, Walfrido Mares Guia, disse que Chávez está 'fora do tom mundial'. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmou que o líder venezuelano 'tem de entender que a defesa da democracia não tem fronteiras'.

Alguns políticos também criticaram as declarações do assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, que no domingo disse não ver 'nada de ilegal' na não renovação da licença da RCTV e a oposição no Congresso anunciou que vai obstruir a tramitação do protocolo de adesão da Venezuela ao Mercosul.

POLÊMICA NA OEA

No encontro dos membros da OEA no Panamá, a polêmica sobre o caso da RCTV marcou as principais discussões, apesar de a questão estar fora da agenda oficial.

A secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, sugeriu o envio de uma comissão da OEA para a Venezuela para tratar do assunto. 'Fechar uma emissora de televisão da oposição é antidemocrático', disse Condoleezza.

As novas críticas provocaram uma feroz reação do chanceler venezuelano, Nicolás Maduro. Num discurso exaltado, Maduro classificou a proposta americana como 'um intervencionismo inaceitável', e pediu a organização de uma nova OEA 'mais igualitária' e que 'respeite a soberania de cada país'.

'Se vamos falar de direitos humanos, será preciso fazer um estudo profundo das violações por parte dos EUA', afirmou Maduro, acrescentando que os prisioneiros do centro de detenção americano de Guantánamo, em Cuba, são mantidos em condições só comparáveis 'à época de (Adolf) Hitler'.

Irritada, Condoleezza abandonou a reunião.

Pela manhã, cerca de 100 rádios e 10 emissoras de televisão panamenhas saíram do ar por 30 segundos para protestar contra o caso da RCTV. Além disso, ao menos sete jornais publicaram uma página toda preta, com os dizeres: 'Sem expressão não há liberdade, nem na Venezuela, nem no mundo.'

FRASES

Luiz Inácio Lula da Silva Presidente brasileiro

'Deixa eu voltar (para o Brasil) para eu resolver isso'

'Chávez tem suas razões para brigar com os EUA. E os EUA têm suas razões para brigar com a Venezuela. O Brasil não tem razões para brigar nem com os EUA nem com a Venezuela'

Nicolás Maduro Chanceler venezuelano

' Se vamos falar de direitos humanos, será preciso fazer um estudo das violações por parte dos EUA, como em Guantánamo'

Condoleezza Rice Secretária de Estado dos Estados Unidos

'Fechar uma TV da oposição é antidemocrático'.