Título: Guerra de 1967 ainda não acabou
Autor: Freedland, Jonathan
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/06/2007, Internacional, p. A15

Tenho a idade desta guerra. Oficialmente, a guerra de 1967, ano de meu nascimento, durou seis dias. Na verdade, ainda não acabou: é a Guerra dos 14.600 Dias. Vejam a violência em Gaza, um pedaço do território que o jovem Estado de Israel - então com 19 anos - conquistou naquela vitória extraordinariamente rápida. Em Gaza, há luta entre os palestinos - uma guerra civil mal reprimida entre o velho movimento Fatah, de Yasser Arafat, e os islâmicos do Hamas -, mas também entre eles e os israelenses. O Hamas voltou a disparar foguetes de Gaza em direção a Israel, rompendo o cessar-fogo. No dia 21, um foguete matou uma civil na cidade israelense de Sderot. E Israel retomou seus assassinatos seletivos, incluindo um ataque contra a casa de um deputado do Hamas, matando oito pessoas. A guerra que esta semana completa seu 40º aniversário pode ter rendido a Israel uma vitória empolgante - mas não a paz.

Já em minha primeira viagem por Israel, quando ainda era um estudante, passei a acreditar que aquela vitória havia sido uma bênção e uma maldição. Sim, Israel havia feito algo notável ao derrotar os Exércitos de três nações decididas a destruí-lo. E sim, o país aliviou a alma ferida de todos os judeus ao garantir, apenas duas décadas depois de Auschwitz, que eles não estavam condenados a ser as eternas vítimas da História e podiam defender-se e vencer. Entendi o orgulho de 1967, a sensação de dignidade recuperada.

Mas pude perceber há 20 anos o que o primeiro chefe de governo de Israel, David Ben-Gurion, percebera 20 anos antes. A guerra nem havia acabado e ele já defendia uma retirada condicional dos territórios recém-conquistados. O primeiro-ministro compreendeu que o domínio dessas terras - e do povo palestino que nelas vivia - significaria um desastre fatal, político e moral para o Estado que ele fundara e amava.

A ameaça fatal é clara até hoje. A vitória de 1967 transformou Israel numa potência de ocupação militar, e povos ocupados sempre reagem, como fizeram os palestinos na primeira intifada, que eclodiu em 1987, nos atentados suicidas dos anos 90 e na segunda intifada, iniciada em 2000. Sem dúvida, os 40 anos desde 1967 foram mais dolorosos para os que viveram sob ocupação, os palestinos da Cisjordânia e Gaza. Mas as conseqüências inevitáveis dessa dor para o povo de Israel têm sido o perigo e o conflito constantes.

ARGUMENTO DEMOGRÁFICO

A ameaça política é igualmente óbvia. Ben-Gurion entendeu aquilo que até Ariel Sharon perceberia 35 anos depois: se Israel quisesse cumprir sua própria meta de ser um Estado judeu e democrático, não poderia dominar uma população árabe palestina que um dia alcançaria a igualdade numérica. Mas é essa a situação estatística atual, com o mesmo número de judeus e árabes na terra histórica da Palestina. Se Israel for verdadeiramente democrático e der a todas essas pessoas o direito ao voto, deixará de ter uma maioria judia. Se permanecer judeu excluindo essas pessoas, deixará de ser democrático. Esse é o argumento demográfico, a escolha inevitável que 1967 deixou aos israelenses: ou eles mantêm o domínio da Cisjordânia e Gaza ou continuam sendo um Estado democrático com uma maioria judia. Não se pode ter as duas coisas.

A ameaça moral estava mais longe das mentes daqueles que, há 40 anos, celebravam a reunificação de Jerusalém e a retomada dos lugares mais sagrados do judaísmo. Mas a ocupação corrói o invasor - lenta, mas inexoravelmente. Cada vez que um recruta israelense de 18 anos pára um homem ou uma mulher num posto de checagem ou aperta o botão para um 'assassinato seletivo', o núcleo moral de um país fica um pouco menor.

Como alguém cuja história familiar está ligada a Israel, que quer ver esse país sobreviver e prosperar, lamento o que o 'prêmio' da Cisjordânia e Gaza nos trouxe. Meu grande temor é que Israel seja como um morador que ampliou sua casa construindo dois aposentos em terreno instável: tentando agarrar-se à ampliação, ele corre o risco de perder a casa inteira.

Os eventos dos últimos dias reforçam esse argumento. A Autoridade Palestina (AP) está em situação de desespero, com combatentes nominalmente aliados dos dois braços principais de seu suposto governo de 'unidade' matando-se em Gaza. Quem conhece a AP de perto alerta que ela está à beira do colapso. Isso poderia fazer com que Gaza se transformasse totalmente naquilo que já aparenta ser: um Estado sem lei, falido. Alguns alertam que esse vácuo pode ser preenchido pela Al-Qaeda, pronta para lançar uma terceira intifada, mais sangrenta que qualquer coisa já vista pelos israelenses.

Até agora, o Hamas manteve a franquia islâmica em Gaza, rechaçando as tentativas da Al-Qaeda de entrar em sua área. Mas a Al-Qaeda ganha gradualmente uma posição firme de entrada, com o surgimento de novos grupos que exalam o cheiro forte de Bin Laden. A atual violência no Líbano, onde um grupo palestino ligado à Al-Qaeda faz guerra a partir de um campo de refugiados, é um aviso sobre o futuro de Gaza.

Ao ganhar impulso, a Al-Qaeda, mesmo que não tome o lugar do Hamas, pode obrigá-lo a mover-se em sua direção. O que hoje é um movimento nacionalista baseado no ressentimento, com uma coloração islâmica, e cujo principal objetivo é livrar-se da ocupação, poderia tornar-se mais rígido, mais ideológico, fora do alcance da razão e da negociação. Isto é uma lição que Israel não conseguiu aprender nos últimos 40 anos. Se nos negamos a tratar com um grupo porque ele é extremo demais, não passamos a tratar com uma alternativa mais flexível, moderada. Pelo contrário, acabamos enfrentando uma força mais extrema. Aconteceu quando o Fatah foi ofuscado pelo Hamas - e pode acontecer de novo.

O que Israel deveria fazer? Neste momento, o único objetivo de seus líderes é proteger os civis de ataques com foguetes. Seus ministros falam em escalada, mais assassinatos seletivos, talvez atingindo até o premiê do Hamas, Ismail Haniyeh. É o mesmo velho erro. Certamente, os amigos de Israel podem começar a apontar para outra direção: aceitar os sinais do Hamas de um possível acordo, aproveitar o fato de que o Hamas também tem interesse em derrotar a Al-Qaeda - e iniciar um diálogo com o inimigo. O objetivo seria pôr fim à guerra que nunca terminou - porque a alternativa é muito pior.