Título: O Cade mais eficiente
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/06/2007, Notas e Informações, p. A3
Por excesso de zelo das autoridades do Ministério da Justiça - que em 2000 consideraram imoral a possibilidade de o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) assinar acordos com empresas que formam cartéis -, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência tornou-se um caso exemplar de eficiência pela metade. No ano passado, por exemplo, o Cade tentou fazer um acordo pelo qual grandes empresas produtoras de sucos pagariam R$ 100 milhões em troca do encerramento de investigações de formação de cartel. O acordo não foi fechado por falta de base legal.
As investigações de atos que tolhem a concorrência são em geral bem-feitas pela Secretaria de Defesa Econômica e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico. Os julgamentos do Cade são tecnicamente bem embasados. Mas as suas decisões freqüentemente não são cumpridas na íntegra.
Entre 2002 e 2005, por exemplo, menos de 40% das multas aplicadas a empresas que transgrediram a Lei da Concorrência foram efetivamente pagas. Isso porque, na impossibilidade de um acordo, as empresas condenadas no âmbito administrativo preferem recorrer aos tribunais. Assim, um processo que provavelmente demorou dois anos para ser julgado pelo Cade ficará pelo menos mais oito anos à espera de sentença final, no âmbito do Judiciário. Isso é ruim para o Sistema, que perde poder coercitivo; para a economia, que deixa de receber os estímulos de uma concorrência saudável; para os consumidores, que acabam explorados; e para as próprias empresas recorrentes que, se procrastinam uma decisão contrária a seus interesses, de imediato, ficam com um passivo que só cresce com o tempo.
Essa falha acaba de ser corrigida com a sanção da Lei 11.482. Agora, o Cade dispõe de base legal para tomar das empresas representadas em processos administrativos - e não apenas em casos de cartel - um compromisso de cessação da prática sob investigação. O processo será imediatamente suspenso após a assinatura do termo de compromisso, que especificará as obrigações da empresa para acabar com a prática lesiva à concorrência, fixará multa pelo descumprimento total ou parcial dessas obrigações e fixará contribuição pecuniária a ser depositada no Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Se houver o descumprimento do compromisso, a empresa pagará a multa e o processo terá continuidade.
É preciso observar que a Lei da Concorrência não tem caráter punitivo ou arrecadatório. Multas e sanções são apenas instrumentos para a normalização do ambiente concorrencial.
A nova lei atende a esse objetivo. A transgressão da Lei da Concorrência não sai de graça - a contribuição a ser paga pela empresa pode ir de 1% a 30% de seu faturamento anual -, e assim fica preservado o poder dissuasório das decisões antitruste. Além disso, abre a possibilidade de encerrar com brevidade processos que, de outra forma, se arrastariam durante anos, nos âmbitos administrativo e judicial.
Para as empresas, esse tipo de acordo também é vantajoso. Processos desse tipo, pendentes na Justiça, geralmente têm conseqüências nem sempre percebidas pela opinião pública. No caso de empresas multinacionais, a pendência é um obstáculo a novos investimentos, decididos pela matriz. No caso das empresas exportadoras, a simples suspeita de manipulação de preços e mercados afasta negócios, especialmente nos países onde a concorrência é acirrada ou existe tendência protecionista. Esses prejuízos podem ser evitados com a assinatura de um compromisso de cessação da prática dos atos lesivos.
A mudança da legislação vem num momento em que as atividades do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência mudam de foco. Antes voltado para o exame de fusões e de atos de concentração, agora o foco das atenções são os casos de formação de cartel. Este ano, por solicitação da Secretaria de Defesa Econômica, foram expedidos 38 mandados de busca e apreensão contra empresas suspeitas de formação de cartel em importantes setores da economia. No ano passado, foram 19 mandados, contra 11, entre 2003 e 2005.