Título: O novo projeto de Chávez
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/06/2007, Notas e Informações, p. A3
Uma leitura, mesmo superficial, dos documentos e declarações produzidos na reunião de representantes da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), realizada em Caracas, revela claramente os propósitos do coronel Hugo Chávez para a região. Ele não se contenta em dominar a Venezuela com mão-de-ferro, controlando o Executivo, o Legislativo e o Judiciário e, agora, em franca ofensiva contra o pouco que restou de uma imprensa outrora livre. Chávez quer superar os feitos de seu ídolo, Simón Bolívar. No século 19, Bolívar - com a ajuda de San Martín e outros notáveis generais - libertou os países andinos do jugo colonial espanhol, mas não conseguiu completar o seu projeto político, que era manter aquelas províncias unidas. O objetivo do caudilho do século 21 é voltar 190 anos no tempo, recompondo a unidade do vice-reinado de Nova Granada e consolidando o projeto bolivariano da Grande Colômbia.
A Alba, constituída pela Venezuela, Cuba, Nicarágua e Bolívia, é o núcleo do projeto. O Equador do presidente Rafael Correa é um sério candidato a engrossar o grupo. Ficariam faltando, para completar o pastiche geopolítico, o Peru e o Panamá - mas os governos desses países nem querem ouvir falar em alianças com Chávez.
De qualquer forma, o caudilho trabalha arduamente para realizar seu projeto. Na reunião de Caracas, por exemplo, os membros da Alba decidiram criar, no prazo recorde de 60 dias, o Banco da Alba, para financiar os projetos de desenvolvimento e integração que já foram acertados - e cujo número continua crescendo vertiginosamente. Apenas com Cuba, a Venezuela assinou acordos para desenvolver 353 projetos. Com os outros países do bloco, os projetos também se contam pelas centenas.
E, como para o coronel Chávez as palavras são tudo - recorde-se que fez questão de mudar a sigla da Comunidade Sul-Americana de Nações de Casa para Unisur -, esses projetos não são chamados de binacionais ou de multilaterais. Eles são ¿granacionales¿. Pois é isso o que ele pretende: fazer daqueles países uma grande nação, ou, como definem os documentos oficiais, ¿a união integral de nossas Repúblicas em uma só nação, como sonharam nossos próceres¿.
Como já não há o Império Espanhol a combater, o Bolívar redivivo elegeu como inimigo os Estados Unidos. Recebe dos EUA a maior parte da receita do petróleo que sustenta as extravagâncias de seu projeto autoritário e compra daquele país quase tudo o que falta na Venezuela - o que não é pouco -, mas considera Washington um agente do mal e o presidente Bush o próprio diabo.
De tempos em tempos, denuncia um complô do governo americano para assassiná-lo ou para invadir o país. Agora, para coroar a reunião da Alba, propôs a seus sócios a assinatura de um pacto de defesa, para protegê-los ¿do terrorismo e agressão permanentes dos Estados Unidos¿.
No ano passado, Chávez convenceu o presidente Evo Morales a assinar um acordo de ¿cooperação¿ na área de defesa que praticamente deixa a Bolívia em suas mãos. A pretexto de ¿complementar as capacidades de defesa de cada país¿, a Venezuela terá ingerência na organização e na capacitação das Forças Armadas bolivianas. Além disso, construirá quatro bases militares em território boliviano, que guarnecerá com ¿assessores¿, e os militares venezuelanos poderão interferir diretamente caso haja qualquer conflito que ponha em risco as instituições bolivarianas criadas por Evo Morales no molde chavista.
Agora, disse o caudilho a seus seguidores, ¿parece que chegou o momento de acertarmos uma estratégia de defesa conjunta, para que ninguém possa cometer nenhum erro contra nossos povos¿.
Hugo Chávez está armando a Venezuela até os dentes. Como o país não enfrenta nenhuma ameaça externa, os aviões, helicópteros, tanques e fuzis que está comprando de certo são uma forma de consolidar o apoio das Forças Armadas a seu regime - que não é monolítico, ao contrário do que ele diz - e de garantir, numa eventualidade, a ¿lealdade¿ do povo. De qualquer forma, o programa militar de Hugo Chávez, conseqüente com seus projetos políticos de criação de uma ¿Confederação de Estados¿ - obviamente sob seu comando -, altera o equilíbrio regional. O governo brasileiro deve estar atento a isso.