Título: 'Tentação autoritária de Chávez é fato'
Autor: Domingos, João
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/06/2007, Nacional, p. A18

O senador e ex-presidente José Sarney diz que o fechamento da RCTV pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, mostra uma tentação autoritária. Para ele, um dos primeiros a protestar contra o ato, a democracia corre perigo no país vizinho. Sarney considera que, no momento em que um governo tem o poder de silenciar qualquer órgão de oposição, a qualquer título, é preciso temer o seu conceito de democracia.

Em seu governo (1985-1990), Sarney e o então presidente da Argentina, Raúl Alfonsin, e o do Uruguai, Julio Sanguinetti, iniciaram as bases da integração da América Latina, o que viria a resultar no Mercosul. Para participar do grupo, eles fizeram uma exigência, chamada de ¿cláusula democrática¿. O Paraguai, que ainda era uma ditadura, ficou de fora desse embrião. Sarney critica Chávez e sua influência sobre outros países. Mas acha que a tendência autoritária vai perder e a democracia triunfará.

Como o senhor tem visto a atuação do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, na América Latina?

Não basta dizer que um país tem as instituições, quando elas não são democráticas, mas meramente formais. O que ocorre agora na América Latina é que a gente sente uma certa tentação autoritária, ou mesmo totalitária em alguns países. Devemos estar alertas para que não tenhamos um novo processo de autoritarismo na região.

O senhor foi um dos primeiros a usar a tribuna do Senado para criticar o fechamento da RCTV por Hugo Chávez. O senhor teme que a ação de Chávez atinja outras emissoras venezuelanas?

Nós temos de ficar atentos. A tentação autoritária existe de fato.

O Senado fez uma nota na qual pede para Chávez repensar sua atitude e devolver a concessão à RCTV. Ele contra-atacou, chamando o Senado brasileiro de ¿papagaio¿ do Senado dos Estados Unidos. O senhor esperava essa reação dele?

A crítica que o presidente Chávez fez ao Senado brasileiro mostra que na realidade ele não tem uma avaliação perfeita do que é um Congresso pluralista, aberto. Não é uma câmara unânime, como a que existe na Venezuela. Aqui se debate tudo. Podemos questionar todas as coisas, até mesmo o próprio governo. Cada partido tem sua posição. Isso é que é o exercício democrático. Essa reação é mais um ponto para temer. Porque, quando você não tem a noção do que é o Parlamento numa democracia, é a mesma coisa que não ter a noção do que é a imprensa numa sociedade livre.

É notória a influência de Chávez na Bolívia, no Equador e na Nicarágua. Ele tenta ainda avançar sobre a Colômbia e o Peru. O senhor não teme que ele acabe por contagiar parte da América Latina com seu estilo que tende a acabar com a oposição?

Isso que está ocorrendo é uma distorção e até um anacronismo. Temos de estar alertas para defender a democracia. O que acontece é que, depois que os países foram democratizados, houve algum tipo de reação, visto que a democracia foi sonhada como solução para todos os problemas e não conseguiu resolvê-los. Nenhum regime consegue isso, porque necessita de longo tempo. Então, com o agravamento dos problemas sociais, de distribuição de renda, isso criou em alguns lugares um clima no qual a democracia passou a ser julgada não por ela mesma, mas pela realização imperfeita de seus valores. Isso, de certo modo, é o fenômeno que estamos vendo, mas acho que é episódica.