Título: Região quer negócios, mas teme sustos
Autor: Sant'Anna, Lourival
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/06/2007, Nacional, p. A16

O governo do presidente Néstor Kirchner foi um defensor da idéia da entrada da Venezuela no Mercosul desde que esta adquiriu força, entre fins de 2003 e início de 2004. O Congresso argentino, controlado por Kirchner, aprovou no ano passado a medida, mas os analistas políticos afirmam que ele não pode ser definido como ¿chavista¿. Segundo os analistas, o presidente pratica o mais pragmático peronismo, a ideologia de seu partido. Isto é, um dia abraça Hugo Chávez e semanas depois está em Wall Street batendo o sino de abertura das sessões da Bolsa. Os analistas afirmam que, se Chávez começar a dar mais problemas a Kirchner do que vantagens, o argentino se afastará rapidamente.

Atualmente, para Kirchner, Chávez é necessário, já que o venezuelano é o principal comprador de títulos da dívida argentina - quase US$ 4 bilhões em dois anos. Além disso, sempre que Kirchner pediu remessas urgentes de diesel a Chávez para driblar a crise energética, o venezuelano enviou navios petroleiros com rapidez.

Chávez até ajudou uma das maiores empresas de laticínios da Argentina, a Sancor, a evitar sua venda para capitais estrangeiros, com um crédito de US$ 120 milhões. Nos últimos anos, a Venezuela transformou-se em uma ¿esponja¿ de produtos ¿made in Argentina¿, já que o superávit comercial com o país caribenho triplicou.

O subsecretário para Integração Latino-Americana e Mercosul, Eduardo Sigal, afirmou ao Estado que é importante para o Mercosul a incorporação da Venezuela, já que ¿é forte produtor de combustíveis no meio de uma região que cresce e precisa de energia¿. Além disso, ¿é importante para a integração da América do Sul¿, diz. ¿Desta forma, teremos força diante dos organismos multilaterais.¿ Sigal também explicou que, para o governo argentino, os conflitos de Chávez com os canais de TV são ¿uma questão interna desse país¿.

Analistas argentinos consideram que Chávez, em vez de fortalecer, debilitará o Mercosul. ¿Com a Venezuela, torna-se impossível uma negociação do bloco com os EUA e complica o acordo com a União Européia¿, afirmou o cientista político Rosendo Fraga. ¿No exterior podem achar que o resto do Mercosul compartilha as idéias radicalizadas de Chávez.¿

O presidente venezuelano conta com pelo menos 30 mil ativos militantes ultra-chavistas na Argentina, além de financiar ONGs - entre elas, a gráfica da organização das Mães da Praça de Mayo, que imprime os folhetos de propaganda e defesa da política bolivariana. Ele tem liberdade para ser a estrela de seus próprios comícios na Argentina e conta com amplo espaço no canal estatal local.

Kirchner, como bom equilibrista político, evita estar presente nos comícios com Chávez, já que tampouco pretende elevar o nível de irritação do governo dos EUA. O empresariado tem visão semelhante.

TABARÉ

O Uruguai, caracterizado pela sobriedade da classe política e instituições democráticas sólidas, observa o comportamento de Chávez em relação à liberdade de imprensa em seu país e suas declarações sobre a política internacional com relativo incômodo. No entanto, quando os uruguaios colocam de lado as atitudes políticas do venezuelano e pensam nos lucros comerciais com o país caribenho - além dos investimentos da estatal do petróleo PDVSA -, admitem que vale a pena que a Venezuela entre de vez no Mercosul.

O ingresso da Venezuela foi aprovado no Senado e na Câmara - o presidente Tabaré Vázquez, socialista moderado, possui maioria em ambas as Casas. No entanto, líderes da oposição, como o ex-presidente Julio María Sanguinetti, costumam criticar a ¿deterioração da democracia¿ na Venezuela.

O analista Daniel Chasquetti ressalta que, do ponto de vista econômico, a Venezuela é complementar às economias dos países do Mercosul. ¿O problema é que Chávez está à beira do não-cumprimento da cláusula democrática¿, diz. ¿No Uruguai existem posições divididas, pois argumenta-se também que Chávez foi eleito nas urnas e age dentro da lei de seu país.¿

Chasquetti sustenta que Chávez tem ¿sua própria agenda internacional¿, fato que entra em choque com o formato idealizado para o Mercosul em 1991, ¿que foi o de uma união de consenso, com o Brasil implicitamente como o líder¿.

Os empresários são mais pragmáticos. ¿Avaliamos o tema do ponto de vista comercial, não político¿, resume Teresita Aishemberg, secretária-executiva da União dos Exportadores do Uruguai. Segundo ela, o comércio entre o Uruguai e a Venezuela aumentou 467% em 2004, 2% em 2005, 124% em 2006 e, para 2007, a previsão é de 66%. ¿O Uruguai é um país aberto a todos os mercados.¿

DÚVIDAS

Já no Paraguai, cujo Congresso ainda não aprovou a adesão plena da Venezuela, o novo parceiro causa mais dúvidas. Os paraguaios temem que a Venezuela, a terceira economia da América do Sul, entre em igualdade de condições com os atuais parceiros, aprofundando as desvantagens que o Paraguai já enfrenta. Além disso, eles receiam que a ideologia de Chávez afugente investimentos.

¿Preocupa-nos que haja estatização de empresas, indisponibilidade de investimentos estrangeiros na Venezuela¿, diz Max Haber, diretor da Federação da Produção, da Indústria e do Comércio. ¿O Paraguai é uma economia menor, que precisa de investimentos estrangeiros. E investimento não tem pátria. Se aqui há uma dúvida, ele busca outro caminho.¿

FRASES

Rosendo Fraga Cientista político argentino

¿Com a Venezuela, torna-se impossível uma negociação do bloco com os EUA e complica o acordo com a União Européia¿

Daniel Chasquetti Analista uruguaio

¿No Uruguai, existem posições divididas, pois argumenta-se também que Chávez foi eleito nas urnas e age dentro da lei de seu país¿.