Título: Ataques à minoria cristã causam êxodo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/06/2007, Internacional, p. A21

O padre Hani Adbel Ahad e cinco fiéis haviam acabado de sair da Igreja da Sabedoria Divina, em Bagdá, quando foram parados por um bando. Eram seqüestradores que os levaram. O crime ocorreu quarta-feira, três dias após o assassinato em Mossul, no norte do Iraque, do padre Ragheed Ganni, de 31 anos, e de três de seus auxiliares, mortos pouco depois da missa na Igreja do Espírito Santo. A perseguição à minoria cristã no país é feita de seqüestros, atentados, execuções, extorsões e conversões forçadas. Uma das mais antigas comunidades cristãs do mundo, ela reunia quase 1,5 milhão de membros antes da deposição de Saddam Hussein, em 2003. Desde então, um terço fugiu do país.

¿O que ocorre no Iraque é um crime contra a humanidade¿, disse o monsenhor Philip Najim, procurador apostólico da Igreja Caldéia (católica) no Vaticano. ¿A situação de nossos irmãos no Iraque é trágica¿, disse o arcebispo greco-melquita de São Paulo, d. Fares Maakaroun. Como a Caldéia, a Greco-Melquita é uma das Igrejas Católicas orientais presentes no Iraque.

O Vaticano procura chamar a atenção do mundo para a perseguição religiosa empreendida por terroristas xiitas e sunitas. Em Bagdá, os cristãos do bairro Dora estão sendo obrigados a pagar a jiza, antiga taxa islâmica imposta pelos sultões aos súditos infiéis. Quem não paga os US$ 150 ou US$ 200 anuais tem de converter-se ao Islã ou abandonar tudo, o bairro ou a cidade onde construiu sua vida. Com a fuga forçada dos cristãos, duas igrejas desapareceram em Dora. A de São João Batista foi destruída depois do assassinato de seu guardas e a de São Jacó foi transformada em mesquita. Esta já havia sido alvo de atentados em 2004. Em maio, depois de sua milícia ser acusada de tentar impor o véu às cristãs, o clérigo xiita Moqtada al-Sadr prometeu defender os cristãos em Dora. No dia 6, o governo também prometeu proteção à comunidade.

Antes da guerra, a comunidade cristã no Iraque, apesar de pequena, era rica. Seus integrantes eram comerciantes, engenheiros, médicos, professores e jornalistas. No governo de Saddam, era representada por Tareq Aziz, o vice-primeiro-ministro do regime. ¿Vivíamos melhor sob Saddam do que agora. Apesar da ditadura, havia um Estado¿, disse Najim, que nasceu em Bagdá e cresceu sob o regime de Saddam. ¿Hoje vemos extremistas, integristas, grupos e milícias que governam áreas do país. O Iraque caiu nas mãos dos terroristas.¿

FUGA

Com isso, milhares de cristãos resolveram fugir. Quase metade dos cristãos de Bagdá e três quartos dos de Basra deixaram as duas cidades. Rumaram para a região curda, no norte, e para o exterior. Organizações cristãs calculam em 500 mil os que deixaram o Iraque, a maioria para a Síria. Só em Damasco, os cristãos iraquianos já são 40 mil. Há ainda quem escolheu a Jordânia, o Egito e a Turquia. De 1,5 milhão de refugiados iraquianos por causa da guerra, um terço é de cristãos.

Muitos cristãos acabam seqüestrados por extremistas, que cobram resgate de seus parentes. Assim também ocorre com os sacerdotes da outrora rica Igreja Caldéia. ¿Estamos enfraquecidos, pois tivemos de pagar muitos resgates para libertar sacerdotes seqüestrados¿, contou o monsenhor Najim.

¿Os cristãos vivem em suas casas como se fossem prisões. Não se pode sair sem o risco de ser morto ou seqüestrado¿, disse ao Estado o padre F. A., um sacerdote sírio-católico de Mossul, que pediu que seu nome não fosse publicado por temer represálias. Ele pertence à segunda maior comunidade católica iraquiana, a dos sírios. Somados, os católicos (sírios, caldeus, coptas, armênios e melquitas) são cerca de 600 mil fiéis, concentrados sobretudo em Bagdá e no norte do país.

Foi F. A. quem contou como foi a morte de Ragheed. ¿Ele havia acabado de rezar a missa¿, lembrou. ¿Estava com três assistentes litúrgicos e um mulher. O grupo se havia distanciado algumas centenas de metros da igreja quando foi cercado por dezenas de muçulmanos - 60 a 70 homens. Eles bloquearam a rua, retiraram a mulher do grupo e assassinaram o padre e seus assistentes.¿

Assim, para os cristãos, a situação piora a cada dia. Em entrevista à revista italiana 30 Giorni, uma freira que trabalha para a organização humanitária Caritas resumiu o problema: ¿Sunitas seqüestram e matam xiitas, enquanto xiitas seqüestram e matam sunitas. Mas tanto xiitas como sunitas seqüestram e matam cristãos.¿