Título: Partidos de extrema esquerda controlam ocupação da reitoria
Autor: Marchi, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/06/2007, Vida&, p. A25

A invasão da reitoria da Universidade de São Paulo (USP) não foi um ato espontâneo de estudantes radicais, mas uma ação planejada e sustentada por um grupo de partidos de extrema esquerda - o PCO, o PSTU e o PSOL -, o Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) e a central Conlutas. A invasão, ocorrida em 3 de maio, teve marcas evidentes de operação planejada, segundo relataram testemunhas que a presenciaram. Dez minutos após a invasão, Claudionor Brandão, ex-diretor do Sintusp e líder das chamadas ¿ações diretas¿ do sindicato, chegou para instruir os invasores.

Daí por diante, os dias de ocupação começam sempre com uma reunião que junta, no Sintusp, representantes de PCO, PSTU, PSOL, Conlutas e do próprio sindicato. São eles que definem a pauta política a ser cumprida no dia pelos ocupantes. Depois dela, devidamente instruídos, os estudantes saem para a assembléia dos ocupantes da reitoria para nela ¿aprovar¿ a pauta que já foi chancelada antes pelo comando da ocupação.

Nos últimos dias, o que parecia ser uma aliança invencível começou a apresentar fissuras: percebendo o progressivo esvaziamento da ocupação, o PSTU e principalmente o PSOL passaram a defender o seu fim, idéia duramente rechaçada por PCO e Conlutas. Os dois, na mais remota extrema esquerda, querem manter indefinidamente a ocupação, fiéis ao seu princípio político básico - para eles, a mobilização não é um meio para negociar, mas um fim em si mesmo.

Dentro da reitoria ocupada a operação é conduzida por um grupo de 30 líderes estudantis que controlam centros acadêmicos, a maioria da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Praticamente todos são dissidentes do PT; muitos militam nos três partidos e alguns integram também o primeiro grupo. Abaixo deles vem o conjunto de militantes de base dos três partidos, entre 250 e 300 alunos da USP.

O quarto grupo é a ¿massa de manobra¿ da ocupação, os ¿despossuídos da USP¿ - 800 estudantes carentes que não conseguiram vaga no Conjunto Residencial da USP (Crusp). O quinto grupo já não apóia a ocupação. São os estudantes que não aderiram à greve, mas engrossaram as primeiras assembléias e participavam das atividades culturais na reitoria invadida.

Este grupo inflou a grande assembléia de 2 mil participantes da semana retrasada; sua ausência emagreceu a assembléia da semana passada para 300 participantes.

O VITAL SINTUSP

Na invasão da reitoria e na manutenção da ocupação, o Sintusp teve participação vital: seus líderes comandam as chamadas ¿ações diretas¿, fornecem logística à ocupação e dão orientação política aos estudantes. Eles inventaram a visão romantizada da ocupação, segundo a qual os estudantes invasores são ¿independentes¿ e não têm líderes. Com isso, dissimulam a sua própria influência e o comando dos partidos de extrema esquerda, além de diluir futuras punições aos alunos.

No início, funcionou. Contou-se que os estudantes se inspiravam na ¿democracia ateniense¿ - na qual não havia líderes - e rejeitavam partidos. Isso cativou a grande massa de estudantes, encantada com o novo e glamouroso formato do movimento estudantil. No começo, militantes de PCO, PSTU e PSOL levaram bandeiras para as assembléias, mas logo se acertou arriar as bandeiras para preservar o cenário idealizado da ¿independência¿ e da ¿democracia ateniense¿.

A ocupação da reitoria foi interpretada como um ato espontâneo de um grupo de estudantes rebelados porque o vice-reitor não os recebeu. Mas o relato de testemunhas da invasão desmente qualquer espontaneidade. Na vanguarda da invasão vinham jovens fortes, alguns sem camisa e usando coturnos, alinhados como se compusessem um ataque de infantaria militar; arrombada a porta principal, a massa entrou e passou a cumprir tarefas, como se houvesse sido treinada para isso.

Pouco depois da invasão, como se tivesse adivinhado o ato, Brandão entrou no prédio já comandando a logística da ocupação - fechamento de portas e janelas, ocupação de rotas de entrada, controle das linhas telefônicas e computadores, cuidados com os documentos oficiais, organização de espaços e estabelecimento de uma vigilância sobre possíveis reações vindas de fora.

TUDO PELO CHOQUE

A partir da decisão judicial que determinou a reintegração de posse, os ocupantes passaram a sonhar com a chegada da tropa de choque. Jornais e telejornais ilustrados por imagens de jovens estudantes com um filete de sangue escorrendo pela testa justificariam a ação. Num momento, chegaram a vibrar. Surgiu ao longe um caminhão cinza com soldados de uniforme camuflado e a estudantada inflou-se de ira santa: ¿Abaixo a repressão! Abaixo a repressão!¿ Mas o caminhão tomou outra direção: eram fuzileiros navais que fariam a troca de guarda do Centro Tecnológico da Marinha, que fica dentro do campus.

Ao encenarem uma quadrilha junina na reitoria ocupada, os estudantes trocaram o tradicional bordão ¿óia a chuva!¿ por ¿óia o choque!¿. Nas assembléias, se multiplicavam discursos contra ¿a covarde agressão fascista que vai enviar a tropa de choque¿. Na última assembléia, um líder do PSTU jurou: ¿Se a tropa de choque vier, nós vamos fazer um levante no Estado inteiro.¿ À medida que o tempo passava, a frustração foi aumentando, até a decepção total que foi a constatação de que o choque não viria mesmo.

Os ocupantes da reitoria não se incomodam com acusações de que representam uma fração mínima dos mais de 80 mil alunos da USP e, por isso, não teriam legitimidade. Na universidade, há outras legitimidades contestadas. A eleição do DCE (dominado por PC do B, PT e PSB) atraiu o voto de menos de 3% do universo de alunos. Apenas 20% dos professores da USP são filiados à Associação dos Docentes da USP (Adusp). O Diretório Acadêmico da Escola de Comunicações e Artes (ECA), onde há mais de mil alunos, foi eleito por meros 36 votos.