Título: MST vive dilema entre atacar e apoiar Lula
Autor: Tomazela, José Maria
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/06/2007, Nacional, p. A9

Romper com o governo Lula e correr o risco de uma debandada nas suas bases, ou manter a aliança com o governo e ver seu projeto de reforma agrária cada vez mais distante da realidade? Durante o 5º Congresso Nacional encerrado na sexta-feira - que durante cinco dias manteve 18 mil militantes de 24 Estados num grande acampamento, em Brasília - ficou evidente que o Movimento dos Sem-Terra (MST) está diante de uma encruzilhada. No discurso, os líderes batem firme no presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acusado de alta traição aos sem-terra quando engavetou os compromissos da reforma agrária ¿assinados com o MST¿ e chamou os usineiros de heróis. Nos bastidores, dão sinais de que o ¿casamento¿ não acabou, principalmente para as numerosas bases do Nordeste, lulistas até os ossos. Depois de divulgar que a presença de Lula tinha sido vetada no congresso, por conta da linha crítica e independente do evento, o MST convidou e recebeu o ministro da Educação, Fernando Haddad, no encerramento do encontro.

Haddad participou de um evento na Escola Itinerante Paulo Freire e, auditório repleto, ladeado por João Pedro Stédile e Marina dos Santos, ambos da direção nacional do MST, fez competente propaganda do governo Lula. Os líderes que agora ¿demonizam¿ o presidente são os mesmos que, oito meses atrás, na véspera do segundo turno, punham a militância na rua para pedir votos para sua reeleição. Muitos sem-terra ainda desfilam com a estrela do PT no peito e envergam camisetas da campanha.

¿Votamos nele e no projeto antineoliberal que o PT representou¿, explica o coordenador nacional João Pedro Stédile. ¿Vibramos muito com a vitória e esperávamos que construísse outros projetos para os quatro anos, mas fez aliança com o capital estrangeiro e esqueceu os movimentos sociais.¿ Admirador confesso da trajetória do presidente, o próprio Stédile tem dificuldade em assumir postura contundente. ¿Nós do MST não queremos ser simplistas de culpar o Lula e o PT. Há um contexto histórico complexo.¿

DESENCONTROS

A militância não assimilou o papel crítico em relação ao governo desejado pelos líderes. Quando o governador da Bahia, Jacques Vagner (PT), saudou os congressistas que lotavam o ginásio Nilson Nelson e defendeu o governo, foi ovacionado. Pouco antes, o governo tinha sido acusado de ter se ¿vendido ao capital financeiro¿. O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) teve interrompido por aplausos seu longo discurso quando pediu que a reforma agrária ¿seja feita em diálogo com o governo Lula¿.

A senadora Ideli Salvatti (PT-SC) falou claramente em nome do governo: ¿Trabalhamos muito para eleger Lula e o que estava em jogo naquele momento continua em jogo hoje. Podíamos ter feito mais, mas, se não dermos sustentação a esse projeto, os que quase derrubaram o presidente Lula no ano passado vão se fortalecer. Venho de peito aberto pedir: precisamos que o MST continue forte e ativo para nos ajudar a derrotar nossos adversários.¿ Foi calorosamente aplaudida.

¿Não é o MST que está rompendo com o governo. É de se perguntar por que o Lula está se afastando do povo¿, provoca o líder Vanderlei Martini. ¿Vamos continuar o diálogo com o governo¿, contrapõe Marina. Para o líder Gilmar Mauro, não há encruzilhada nem crise de identidade. ¿A realidade objetiva é que, amizade à parte, ele está cumprindo o papel dos nossos inimigos, portanto, vamos à luta.¿

Durante o congresso, o MST não permitiu que os jornalistas circulassem pelo acampamento, a não ser acompanhados de assessores ou seguranças, o que inibiu os entrevistados. A reportagem conversou com vários sem-terra que, nas folgas, circulavam pelos shoppings e logradouros de Brasília. De cinco entrevistados, apenas um criticou o governo.