Título: Saída para evitar fracasso é um acerto político modesto
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/06/2007, Economia, p. B1

Depois de seis anos de incansáveis reuniões em várias partes do mundo, encontros secretos, centenas de páginas de propostas, disputas e mesmo momentos de duros ataques verbais, a Organização Mundial do Comércio (OMC) terá, a partir de amanhã, uma reunião que vai determinar se a negociação poderá ser fechada neste ano ou se será adiada até o fim da década ou mesmo depois.

Em Genebra, cresce o sentimento de que os países acabarão fechando um acordo mais modesto para salvar a imagem da OMC, que, na prática, terá pouco impacto comercial. 'Os obstáculos hoje são políticos', admite Pascal Lamy, diretor da entidade.

Os ministros de Brasil, Índia, Estados Unidos e Europa (o G-4) vão se isolar em um hotel na cidade alemã de Potsdam durante toda a semana para tentar um acordo. O hotel escolhido foi o Cecilianhof, o mesmo onde, em 1945, Estados Unidos, União Soviética e Reino Unido decretaram a derrota e a divisão da Alemanha, derrotada na 2ª Guerra Mundial.

Desta vez, a guerra promete ser apenas de números do comércio. Os quatro governos que vão a Potsdam são considerados os principais do processo e todos concordam que um entendimento entre esses ministros abrirá caminho para um acordo entre os 150 países da OMC nas próximas semanas.

De um lado, americanos e europeus representam os tradicionais países ricos, que, por décadas, negociaram acordos comerciais entre si e exigiram que os países pobres e em desenvolvimento os respeitassem.

Desta vez, o cenário é diferente e Brasil e Índia passaram a fazer parte do grupo que poderá tomar decisões que afetarão o comércio mundial pelos próximos dez anos.

A negociação foi lançada em 2001, em Doha, e interrompido há um ano por falta de acordo entre o G-4. Agora, o prazo está ligado com o sistema político americano. A autorização do Congresso para a Casa Branca negociar acordos comerciais expira no fim deste mês. Depois, os países poderão ter de esperar até 2009 e um novo presidente americano para retomar o processo.

Quem mais perderá com o fracasso das negociações são os países emergentes. Isso porque a Rodada Doha tem o objetivo de garantir que os países emergentes possam desfrutar de condições mais apropriadas para tirar vantagem dos mercados internacionais.

O Banco Mundial estima que o êxito da rodada contribuiria muito para o combate à pobreza. 'Um acordo na OMC fortalecerá a economia mundial e nos ajudará nos planos de desenvolvimento', afirmou Robert Zoellick, futuro presidente do Banco Mundial e ex-negociador americano de temas comerciais. 'O comércio mundial está viciado em subsídios dos países ricos. O pior é que nem sequer podemos nos defender, diante das regras hoje existentes no mundo', afirmou Abdulaye Wade, presidente do Senegal, que passou por Genebra e cobrou uma solução de Lamy.

PROPOSTAS

Para evitar o fracasso, o G-4 terá de superar diferenças profundas em vários temas. O principal são subsídios americanos aos seus agricultores. Hoje, o teto permitido pela OMC para que a Casa Branca distribua subsídios é de mais de US$ 40 bilhões por ano. Pela proposta de Washington, um novo teto seria estabelecido em cerca de US$ 22,5 bilhões. Mas os países emergentes e europeus ainda acham muito, sobretudo porque, na prática, o governo americano 'só' distribuiu US$ 11 bilhões em 2006. Portanto, o novo teto permitiria que os EUA elevassem os subsídios nos próximos anos, ao invés de reduzir.

Os emergentes já avisaram que querem o novo limite em torno de US$ 13 bilhões. Em Paris, na semana passada, a delegação americana disse aos demais membros do G-4 que não tem como ir abaixo de US$ 17 bilhões.

A recusa dos EUA em fazer mais concessões também impede os europeus aceitem reduzir as suas tarifas de importação para alimentos, outra demanda do Brasil e dos demais emergentes para ampliar os mercados. Os europeus aceitariam um corte de apenas 39% de suas tarifas, os emergentes querem redução de 54%. Bruxelas teme que produtos americanos subsidiados ganhem o mercado da UE, pois se tornam mais competitivos.

EUA e UE ainda alegam que só vão abrir seus mercados se os países emergentes abrirem os seus para bens industriais e serviços. Para Susan Schwab, representante dos EUA, o acordo terá de abrir novos fluxos no setor industrial.