Título: As exportações e o 'mico' do ICMS
Autor: Panzarini, Clóvis
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/06/2007, Economia, p. B2

A Constituição federal determina que o ICMS não incide ¿sobre operações que destinem mercadorias para o exterior nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurados a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores¿. Ela garante, pois, não apenas a imunidade nas operações de exportação, mas também a devolução ao exportador de qualquer montante de ICMS cobrado ao longo da cadeia produtiva do bem ou serviço exportado.

Entretanto, essa regra constitucional tem sido recorrentemente desrespeitada pelos Estados, que frustram a exoneração plena das exportações ao impedirem o efetivo aproveitamento dos créditos de ICMS relativos aos insumos utilizados na fabricação das mercadorias exportadas. Esse problema ocorre quando as exportações representam parcela significativa do faturamento da empresa, de forma que o valor dos créditos pelas entradas de insumos supera o dos débitos relativos às saídas internas, tributadas. Em tais casos, o contribuinte exportador fica credor do governo estadual.

O direito do contribuinte ao aproveitamento do crédito do imposto tem como contrapartida a obrigação do Fisco de autorizá-lo a aproveitar, mas essa é uma relação jurídica esdrúxula, uma obrigação de fazer sem prazo para cumprimento. Nesses casos, quando o Fisco reluta em autorizar a transferência desses créditos para terceiros, o contribuinte exportador os mantém, mas não os aproveita. Em muitas situações, até a manutenção do saldo credor é questionada pelo Fisco.

Muitos países que adotam o imposto do tipo valor agregado, como é o ICMS, ressarcem prontamente, em espécie, os créditos relativos a bens exportados, antes mesmo de serem auditados, exigindo-se do contribuinte credor apenas garantia real ou fiança bancária. No Brasil a legislação dos Estados prevê que o saldo credor, após auditado pelo Fisco, pode ser apropriado e utilizado na compra de insumos, via transferência a fornecedores. No Estado de São Paulo, cujo sistema de apropriação é mais ágil que a média dos Estados e tem autorizado aproveitamento de cerca de R$ 200 milhões mensais de crédito de ICMS, o contribuinte, quando não tem fornecedor que o aceite, pode vendê-lo para terceiros não vinculados às operações, desde que, depois de cumprido todo o rito administrativo, seja autorizado pelo secretário da Fazenda.

Essas possibilidades existem, com pequenas nuanças, na legislação de todos os Estados, mas freqüentemente são impostas enormes dificuldades ao contribuinte detentor de saldo credor para o aproveitamento do ICMS incidente sobre operações que antecedem as exportações. Muitas vezes tais dificuldades são impostas com o objetivo deliberado de preservar o fluxo de caixa do Tesouro, especialmente quando a matéria-prima é proveniente de outra unidade federada. Assim, a regra constitucional que assegura esse direito ao contribuinte se torna letra morta e o saldo credor, mero ativo escritural, um ¿mico¿ no balanço da empresa.

De pouco adianta a não-incidência do ICMS na exportação de um automóvel, por exemplo, se todos os seus insumos - aço, autopeças, energia elétrica, etc. - são onerados pelo imposto e o exportador do automóvel não consegue ser ressarcido desses custos tributários. Nos casos dos produtos semi-elaborados, como carne ou óleo vegetal, nos quais há pouca agregação de valor pelo fabricante exportador, o problema se torna mais grave.

A esterilização de saldos credores legítimos ocorre não apenas nas exportações, mas sempre que a alíquota média de saídas de uma empresa seja inferior à alíquota média de suas entradas, corrigida pelo índice de valor agregado. O setor produtor de insumos agropecuários, que compra matérias-primas tributadas, mas tem suas saídas internas isentas, também é vítima do problema.

É interessante notar que, mesmo quando autorizada, a transferência do crédito acumulado impõe custos ao seu detentor em razão do deságio exigido pelo comprador, especialmente nos casos de venda a terceiros. Como o crédito transferido impacta o fluxo de caixa do Tesouro no mês seguinte ao da autorização - ninguém compra crédito de ICMS para ¿estocá-lo¿ -, o Estado poderia, sem nenhum custo, ou até com ganho financeiro, dependendo do prazo, evitar mais esse ônus para os detentores de crédito acumulado de ICMS. Bastaria, para tanto, substituir a autorização de transferência de créditos de ICMS por cheque ou título de crédito, com prazo de resgate de 30 ou 60 dias, que poderia, inclusive, ser descontado na rede bancária. Isso eliminaria, a custo zero para o Tesouro, o deságio que só beneficia os compradores de crédito de ICMS e seus intermediários.

Há resistência dos governos estaduais à devolução, em espécie, de créditos de ICMS, mas é de lembrar que a Secretaria da Receita Federal já há anos devolve, via crédito direto em conta corrente, o Imposto de Renda das pessoas físicas retido a maior na fonte no ano anterior. Ademais, todo o atual rito de auditagem e apropriação dos créditos seria, naturalmente, preservado. Estar-se-ia apenas, ao final do processo, trocando o atual título de crédito vinculado, de uso restrito - a autorização de transferência - por outro, ¿endossável¿ ou resgatável no Tesouro.

Esses custos tributários, somados à apreciação do real, deprimem a competitividade do setor produtivo brasileiro e limitam a atividade exportadora, com desastrosa conseqüência para a produção, para o emprego e para a própria receita tributária estadual, derivada da atividade interna induzida pelas exportações.