Título: Está bom ou está ruim?
Autor: Sardenberg, Carlos Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/06/2007, Economia, p. B2

Então, ficamos assim: a economia brasileira está crescendo mais e melhor; a estabilidade macroeconômica é um fato (a dívida externa praticamente desapareceu e a inflação está no chão); o consumo das famílias continua em expansão, o que representa uma virada depois de anos ruins de empobrecimento; o mundo (importador de nossos produtos) e as chuvas, que enchem os reservatórios de usinas hidrelétricas, continuam ajudando.

Essas são as boas notícias, e não são poucas, convenhamos. São também as mais vistosas - recorde na venda de automóveis, recorde na venda de computadores, e assim vai. Tão vistosas que escondem as más notícias: os investimentos em infra-estrutura, especialmente em energia, estão travados e/ou muito atrasados, o que compromete a capacidade de crescimento; os empresários estão ampliando fábricas antes de instalar novas plantas; as reformas estruturais foram praticamente abandonadas, o governo continua elevando seus gastos e tomando uma quantidade brutal (e crescente) de impostos, o que também compromete o crescimento futuro; e restos de ideologia de esquerda continuam bloqueando investimentos privados.

Esse é o resumo da ópera da semana passada. Resulta da análise do produto interno bruto (PIB) do primeiro trimestre, divulgado pelo IBGE, da ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central e dos comentários em torno disso tudo.

Começando pela expansão do PIB. Um indicador pelo outro, pode-se dizer que a economia brasileira cresce a um ritmo pouco superior aos 4% ao ano. É bom ou é ruim?

Diz-se que uma vez perguntaram a Bertrand Russell: 'Como vai sua mulher?' E ele, cabeça de lógico e matemático, hesitou por alguns segundos e perguntou: 'Mas comparando com quem ou com o quê?'

Assim, comparando com os países emergentes mais importantes, o atual crescimento brasileiro só é mais forte que o do México (2,6%). Está mais ou menos no ritmo de Coréia do Sul, Tailândia, Taiwan, com a desvantagem de que nesses países os investimentos são muito mais fortes. Os demais crescem acima dos 5% anuais, a maioria acima dos 6%. Na ponta de cima, estão China (11,1%) e Índia (9,1%). Nas previsões para o conjunto deste ano, o Brasil, de novo, só fica à frente do México.

Já comparando o Brasil de hoje com o Brasil do passado recente, o momento atual é superior. De médias entre 2% e 3% de expansão anual, desde a introdução do Real, o País está passando para um nível acima de 4%. E, mais importante, com as condições macro de manter esse ritmo por alguns anos seguidos.

O presidente Lula manifestou desapontamento. Diz que submeteu os ministros do Planejamento, Paulo Bernardo, e da Fazenda, Guido Mantega, a um verdadeiro interrogatório. Ele quer os tais 5%, daí para mais.

Será que o presidente faz isso com o objetivo de estimular o ânimo de seus ministros e dos investidores e consumidores? Ou será que ele acredita mesmo que já reuniu as condições nunca vistas na História do Brasil para o crescimento acelerado?

Não é mera especulação. Na primeira hipótese, o presidente estaria disposto a fazer mudanças, a tomar iniciativas sugeridas pelos seus interlocutores. Na segunda, achando que seu governo encaminhou tudo certinho, o presidente vai começar a procurar culpados pelo crescimento abaixo do esperado por ele.

A imprensa é candidata. Já foi responsabilizada pelo mau desempenho do turismo, porque só dá 'notícia de morte' e porque fica falando mal do Brasil, ao contrário do que aconteceria em outros países.

É verdade, por exemplo, que o noticiário policial é mais forte na imprensa brasileira. Mas não é inventado. É até exagerado, meio escandaloso e apelativo em alguns veículos, mas parte de base real: os números mostram que a criminalidade aqui é maior, e muito mais espetacular, do que na Suíça, por exemplo, um dos países citados pelo presidente entre aqueles cujos cidadãos não falam mal de si mesmos.

Quando governantes culpam a imprensa, o roteiro é sempre o mesmo: eles estão fazendo a coisa certa, mas os jornalistas só ficam procurando as ruins, exagerando ou inventando quando não as encontram. Vale para qualquer tipo de noticiário, esportivo, policial ou econômico.

Reclama-se que, em vez de exaltar a festa do Pan, a imprensa só fala das obras atrasadas e mais caras. Na verdade, a imprensa esportiva está animada com o Pan e prepara coberturas especiais; mas as obras estão, de fato, atrasadas e caras.

Na economia, por exemplo, reclama-se de que, de tanto os jornalistas falarem em ameaça de falta de energia, os empresários e investidores podem acabar acreditando e, assim, adiar negócios.

Aqui é outra divergência explícita e mais difícil de resolver, pois se está falando do que vai acontecer. A imprensa conta os dois lados: o governo jura porque jura que não há risco significativo de falta de energia; já entre empresários, consultores e analistas, 100% dizem que o risco é forte. E mais: muitos empresários dizem que investimentos em fábricas novas estão sendo adiados por falta de garantia de energia, em particular, e de infra-estrutura, em geral.

Daí as óperas diferentes. Na do governo, crescimento de 4% é pouco e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) vai turbinar isso, se a imprensa deixar. Fora do governo, se der 4,5%, do jeito que está, está mais que bom. E ainda estamos longe das últimas árias.