Título: País órfão de líderes
Autor: César, Aloísio de Toledo
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/06/2007, Espaço Aberto, p. A2

É profundamente entristecedor verificar no cenário político brasileiro não só a ausência, mas quase um deserto de líderes. Neste momento em especial, quando a desordem e sucessivos escândalos de corrupção se abatem sobre a República, não surge uma voz, com credibilidade, que fale e seja ouvida, em defesa da moralidade e do próprio País.

Haverá algo mais torpe do que servidores públicos fazerem uso sistemático do sofrimento da população como instrumento de pressão para atendimento de suas reivindicações grevistas? Isso acontece a toda hora, repetidamente, como num videoteipe de horror, e ninguém é punido. Falta uma lei que discipline a questão, mas, sem a vontade política do presidente da República, sempre acomodado, ela nunca surgirá.

Haverá exemplo pior e mais desencorajador, sobretudo para os jovens, do que os atos de corrupção diariamente relatados pelos jornais, rádios e televisões, como se fossem uma rotina inevitável e até mesmo já esperada?

Tão trágica é a ausência de líderes que se insurjam contra tudo isso, e que mereçam respeito, tão trágico é esse vazio que em determinado momento de nossa vida política, algum tempo atrás, o ex-deputado federal Roberto Jefferson despontou como o intérprete do inconformismo dos brasileiros. Logo se percebeu o exagero dessa avaliação, mas, sem nenhuma dúvida, ajudou a mostrar que não temos mesmo líderes que nos defendam.

Será falta coragem para disciplinar as greves em serviço público? Será que alguma voz de respeito exigirá, em nome de todos nós, que o crime de corrupção seja de uma vez extirpado e que a punição atinja também quem foi omisso?

O quadro é desanimador, principalmente porque não se sabe, nos dias presentes, quem fala pela oposição. O maior partido do País, o PMDB, ganhou uma gorda fatia no governo federal e parece haver perdido a capacidade de compreensão da alma brasileira. Daí por que dela se afasta, no afã de permanecer no poder.

Entre os outros partidos, o derrotado PSDB passa a idéia de ser apenas espectador, ao invés de protagonista do processo político. Seu candidato derrotado a presidente da República, Geraldo Alckmin, talvez tenha cometido o equívoco de se afastar do Brasil e da luta na hora em que sua presença seria mais oportuna.

A ditadura militar, de péssima lembrança, teve o lado bom de favorecer o surgimento de lideranças que a ela se opunham. Foi assim que se cristalizaram expressões como Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Teotônio Vilela, Franco Montoro, Mário Covas e vários outros. Eles representavam, com sua inquietação e cobrança, o inconformismo reinante.

Esses antigos líderes falavam pelos brasileiros e eram ouvidos. A eles devemos as diretas-já e a devolução não traumática do regime democrático ao País.

Nestes dias, os grandes adversários do País não são mais a ditadura militar e os ditadores, mas, sim, a corrupção e a desordem institucionalizada.

Para se ter uma idéia de como tudo mudou para pior, basta ver que em 1954 Getúlio Vargas se suicidou porque a sua dignidade não permitia que continuasse vivo ante acusações graves que alcançavam seus assessores diretos. Recentemente, dois ministros japoneses também se suicidaram por terem sido acusados da prática de corrupção e por entenderem que não seria mais possível apagar as manchas de sua vida. Honra, caráter, dignidade parecem conceitos antigos, muito restritos, dos quais nos afastamos.

Principal protagonista da administração pública no Brasil, o presidente Lula convive com a corrupção em seu governo e parece mais empenhado em defender-se do que em atacá-la de frente. A toda hora ele procura desculpar-se com a declaração de que a Polícia Federal está cuidando de combatê-la, como se esse órgão da República estivesse a seu serviço.

A Polícia Federal, não podemos perder de vista, é polícia judiciária. Ela investiga os crimes e elabora os processos que são encaminhados a julgamento pelo Judiciário. Sua vinculação com o presidente da República não é de subordinação, mas tão-somente administrativa.

Como exatamente no seu período de governo a corrupção aumentou de forma assustadora, era de esperar uma atitude mais corajosa do presidente Lula, que lhe faltou nos momentos graves em que assistentes íntimos e ministros restaram atingidos por denúncias.

Os psicólogos costumam sempre referir-se ao homem satisfeito, aquele que conquistou o que desejava e, portanto, após a vitória pessoal, pode engordar à vontade. Talvez se deva desculpá-lo porque - acima se disse - Lula é o homem satisfeito. Ninguém neste país terá realizado um sonho tão grande como o dele. Realmente, para alguém que saiu do agreste de Pernambuco, ainda menino, e viajou 13 dias num pau-de-arara até chegar a São Paulo, aqui construindo com suas próprias pernas, por mérito pessoal, a mais notável carreira política registrada na História do País, forçoso é reconhecer que é mesmo um homem realizado.

É lamentável, contudo, que essa sua vitória pessoal não seja também uma vitória contra a corrupção e a desordem. Pelo jeito, ele parece achar natural que seu governo loteado seja o tempo todo sacudido por escândalos, um aqui, outro ali, como se isso fosse uma coisa natural e inevitável.

Lula, que tanto combatia a corrupção antes de chegar ao poder, procura aparentar que nada tem que ver com ela. Se for feita uma lista dos escândalos e das pessoas envolvidas, ver-se-á que começou no seu grupo íntimo - todos afastados, mas nenhum punido - e continuou nos Ministérios ocupados por pessoas por ele nomeadas.

É nesse quadro desolador que se lamenta a ausência de líderes capazes de exigir respeito aos brasileiros e que não se deixem seduzir por Ministérios e vantagens pessoais. Falta mesmo alguém que defenda não a si próprio, mas ao Brasil.