Título: A mão-de-obra que falta
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Fonte: O Estado de São Paulo, 19/06/2007, Notas e Informações, p. A3
A notícia, estranha à primeira vista, aparece com freqüência nos jornais: grandes empresas procuram funcionários e não conseguem preencher suas vagas. A informação surpreende o leitor, acostumado a ver filas de pessoas em busca de emprego. Basta um pormenor para desfazer o mistério. Sobram trabalhadores, mas falta mão-de-obra qualificada. Há um duplo desajuste no mercado. A economia não tem crescido o bastante para ocupar a força de trabalho, mas, em contrapartida, alguns dos setores mais dinâmicos não encontram o pessoal necessário. Há, no entanto, pelo menos uma boa notícia a respeito do assunto. O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) vai propor ao ministro do Trabalho, Carlos Lupi, a aplicação de R$ 900 milhões num programa de qualificação de mão-de-obra, em 2008.
O próprio ministro pediu estudos e sugestões sobre o assunto, segundo informou o presidente do Codefat, Ezequiel Souza do Nascimento, ao colunista Ribamar Oliveira (Estado, 18/6). Se a proposta for convertida em política, haverá mais que uma inversão da tendência dos últimos anos, quando os gastos do FAT com a preparação dos trabalhadores foram muito inferiores às despesas com abono e com salário desemprego.
O dinheiro aplicado na qualificação de pessoal diminuiu de R$ 87,8 milhões em 2005 para R$ 83,1 milhões em 2006. O governo tem procurado socorrer os desempregados com dinheiro do FAT. Além disso, tem discutido a aplicação de recursos desse fundo em programas estranhos às suas finalidades originais. Mas tem feito muito menos que o necessário para tornar os trabalhadores mais empregáveis.
Nada mais oportuno que o lembrete do presidente do Codefat a respeito da qualificação de trabalhadores. Políticos, economistas e empresários têm debatido intensamente as condições necessárias ao deslanche do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). As discussões têm tido como tema principal os obstáculos a investimentos na infra-estrutura. Tem-se falado muito sobre a demora das licenças ambientais, sobre as incertezas quanto ao marco regulatório e sobre a insegurança quanto à oferta de gás. Aponta-se o risco de nova crise energética e reclama-se do atraso nas obras do setor de transportes. Mas pouco se tem tratado, como lembrou o presidente do Codefat, do risco de um ¿apagão de mão-de-obra¿.
Esse risco, como indicou Ezequiel Souza do Nascimento, pode afetar vários projetos do PAC, como a construção de navios em Pernambuco, o desenvolvimento do turismo e a construção de uma ¿cidade digital¿ em Brasília. Mas a referência a essas metas oficiais apenas torna mais evidente um problema de extensão muito maior.
Com ou sem PAC, não se pode pensar em crescimento econômico acelerado, por longo prazo, sem uma atenção muito maior à formação de capital humano. Não basta, é claro, ter um diploma, mesmo de uma boa faculdade, para ter emprego assegurado. Mas a qualificação, técnica ou superior, certamente será uma condição cada vez mais importante para o brasileiro obter um posto de trabalho. Do lado da empresa a escolha é igualmente simples: ou se moderniza e se qualifica para competir, ou será atropelada pelas concorrentes dos países mais dinâmicos.
Parte do trabalho de qualificação poderá ser feita por escolas técnicas ou superiores. Parte caberá às próprias empresas, como em todo o mundo. Nenhum sistema escolar pode fornecer todo o treinamento necessário a cada companhia, e não tem sentido cobrar esse trabalho dos centros de educação. As empresas devem cobrar, isto sim, a formação de pessoal familiarizado com os procedimentos e técnicas modernas de cada setor - preparado, portanto, para se ajustar às necessidades de cada empregador.
Mas o governo tem de pensar em algo mais que isso. O País não está atrasado apenas na formação de profissionais para um sistema de produção cada vez mais complexo e mais concorrencial. É preciso, também, eliminar o atraso na educação fundamental. Outros países conseguiram escalonar essas tarefas. No Brasil, os problemas se amontoaram. Segundo o último levantamento do IBGE, quase um quarto dos brasileiros com idade igual ou superior a 15 anos é de analfabetos funcionais. Não se pode simplesmente deixar para trás toda essa gente nem adiar, mais uma vez, a elevação da qualidade do ensino fundamental.