Título: Indefesos valores acadêmicos
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/06/2007, Notas e Informações, p. A3

A esta altura, passadas quase sete semanas do início da ocupação da Reitoria da Universidade de São Paulo (USP), é de se perguntar que diferença fará a tardia decisão da reitora Suely Vilela de suspender, enquanto perdurar a invasão, o atendimento das reivindicações estudantis já aceitas, de condicionar também à desocupação a retomada do diálogo com os invasores e de excluir de qualquer acordo a impunidade desejada pelos alunos e funcionários responsáveis pela truculência. A mudança de atitude, embora louvável, não absolve a cúpula da USP e os seus interlocutores no governo do pecado original de aceitar o diálogo com os fomentadores da truculência enquanto ela persistia - foram uma dezena de reuniões, ao todo! -, agravado pela decisão de, obtida na Justiça a reintegração de posse do prédio, não mover uma palha para concretizá-la.

Não se trata de reiterar, por reiterar, os equívocos em seqüência cometidos por todos quantos, na academia e no Palácio dos Bandeirantes, ignoraram clamorosamente o seu compromisso com a preservação dos fundamentos da verdadeira autonomia universitária. Consistem - e é acabrunhante ter de lembrar o óbvio - no respeito à instituição, a começar das suas instalações e equipamentos; ao direito de docentes, alunos e funcionários de ir, vir e dar conta de seus afazeres; e à interlocução civilizada para o encaminhamento das questões que afetam a comunidade. O ponto é que, resolva-se como se resolver o problema da invasão, a leniência com que ela foi tratada pelos desorientados protagonistas, obrigados por dever de ofício a enfrentá-la, deixará na USP seqüelas duradouras, germes de novas crises, além de se refletir nas demais instituições públicas de ensino superior.

Na semana passada, os aspirantes a posseiros instalados na Reitoria aprovaram um ¿indicativo¿ de desocupação, sujeito ao acatamento das demandas que encaminhariam à reitora - a qual, pasme-se, chegou a pedir-lhes que as enviassem. Só depois, endureceu. A reviravolta poderá dar aos extremistas do PCO e do PSTU, que lideram esse patético arremedo de rebelião estudantil, pretexto para insistir na invasão. De qualquer forma, tudo indica que ela não acabará com estrépito, mas em surdina, graças à providencial chegada das férias de julho - o toque de dispersar que as autoridades acadêmicas dão como inevitável. Acabará, modo de dizer. No sábado, uspianos e alunos de outros Estados resolveram imitar o MST. Depois das férias, que ninguém é de ferro, começará o que pretendem ser um período de ¿ocupações e reocupações¿ de reitorias contra o ¿sucateamento do ensino superior público¿.

Também à maneira do MST, decidiram promover uma marcha a Brasília para pressionar o Congresso e o governo. Massa de manobra não lhes faltará - embora o movimento pareça agir à revelia da UNE, controlada pelo comparativamente moderado PC do B. No bojo dessa fantasia de guerrilha permanente, decerto há quem imagine invadir pela segunda vez a Reitoria da USP, para fustigar nem tanto a já combalida reitora, mas o governador José Serra. Seria o tiro de largada de um processo não de todo diferente daquele com que o PT ameaçou o então governador Mário Covas - o de ¿bater os tucanos nas ruas e nas urnas¿, como arengava o então deputado José Dirceu, em 2001. Como bem observou o sociólogo José de Souza Martins, em artigo publicado domingo no Estado, ¿as universidades brasileiras, e disso a USP não escapa, se tornaram partidárias e instrumentos partidários¿.

Infelizmente, não soa exagerado o prognóstico do professor de que ¿a pós-ocupação mergulha a USP numa crise de transição para a qual não está minimamente preparada nem mobilizada¿. Em tese, a violência da ocupação poderia ter o efeito salutar de ¿tornar obsoleta a cultura da tolerância, a política dos acertos ad hoc para não formalizar as regras que deveriam reger a vida de todos e não só a dos aplicados e dedicados¿, como diz Martins em relação à rotina das greves impostas por minorias irrisórias, seguidas do teatro da reposição de aulas e da aprovação dos que já estariam reprovados por faltas. Mas, para essa reforma cultural, falta o exemplo de intransigência em defender os valores acadêmicos do assalto dos seus privilegiados destruidores.