Título: Nada detém Hugo Chávez
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/06/2007, Notas e Informações, p. A3
Nada parece reduzir o ímpeto do coronel Hugo Chávez, na sua caminhada rumo à instauração de uma ditadura declarada na Venezuela. O fechamento da RCTV - a única rede de televisão de alcance nacional que ainda fazia críticas ao governo bolivariano - provocou protestos dentro e fora do país. Qualquer outro governante, diante da reação, reveria os seus planos e passaria a agir com mais prudência. Chávez, não. Está manipulando a seu favor as manifestações contra as restrições à liberdade de expressão. Ele e seus áulicos iniciaram uma campanha de desinformação, baseada na ameaça imaginária de um golpe de Estado e denunciam que os manifestantes planejam o assassínio de Chávez.
E assim, nem bem fechou a RCTV, mandou a Procuradoria-Geral investigar a Globovisión - a única emissora de televisão, de alcance restrito à área de Caracas, que ainda critica o governo -, pelo crime de incitação ao assassínio, e a rede norte-americana CNN, por empreender uma campanha para desacreditar a Venezuela. Essas investigações certamente não levarão a nada - foi o que aconteceu com a RCTV, cujos diretores nunca chegaram a ser processados, embora acusados de crimes que iam da lesa-majestade à sonegação de impostos. Mas é assim que Chávez inicia a manobra para calar os seus adversários. A licença de funcionamento da Globovisión vai até 2011, mas Chávez pode tirá-la do ar invocando a autoritária Lei de Responsabilidade Social da Rádio e Televisão. Também há emissoras de rádio que mantêm distanciamento crítico do governo. Com elas, a coisa é mais fácil. Das 156 emissoras AM do país, 151 estão em processo de renovação de concessão. Chávez segura todas pelo gasnete. Se não praticarem autocensura, deixarão de funcionar.
Mas a marcha acelerada de Chávez rumo à ditadura aberta começa a assustar os venezuelanos. Setores da opinião pública contrários a ele e a seus métodos, que estavam silenciosos, cansados depois de dois anos de greves e manifestações de rua, voltaram à atividade. Nos cinco dias que se seguiram ao fechamento da RCTV, houve manifestações de rua, com milhares de pessoas, em Caracas e nas principais cidades do país. Os estudantes universitários lideram o movimento. Perceberam que, calada a imprensa, o próximo objetivo de Chávez poderá ser a liberdade de cátedra e a autonomia universitária. Os exageros contra a liberdade de expressão também provocaram a mobilização de artistas e intelectuais, que antes assistiam à implantação do ¿socialismo do século 21¿ a confortável distância do empresariado e das classes médias que se ressentiram mais cedo das restrições às liberdades civis. Desta vez, até deputados chavistas protestaram contra o atentado à liberdade de expressão.
No exterior também não faltaram protestos contra a escalada de Chávez rumo ao totalitarismo, entre os quais os do presidente da Comissão Européia, o português José Manuel Durão Barroso, da presidente do Chile, Michelle Bachelet, do Parlamento Europeu, do Senado americano, do Partido Revolucionário Democrático do México - que sempre apoiava Chávez - e dos governos de El Salvador, Costa Rica e Guatemala. À moção do Senado brasileiro para que a RCTV não fosse fechada, Chávez respondeu com um insulto: ¿O Congresso brasileiro está agora subordinado ao de Washington.¿
No Brasil, a nota destoante foi um documento de apoio ao fechamento da RCTV, assinado pela direção nacional do PT, pelo MST e pela Central de Movimentos Populares e entregue à Embaixada da Venezuela. Na terça-feira, o presidente Lula explicou por que seu governo não se manifestou a respeito do caso. ¿O que o Brasil tem a ver com a concessão da Venezuela para uma TV? É um problema da legislação venezuelana, do governo venezuelano.¿ Não é bem assim. A Venezuela é signatária da Carta Democrática Interamericana da OEA e também está sujeita às condições da Cláusula Democrática do Mercosul, o que faz com que os atentados à democracia naquele país sejam um problema de todos os países do hemisfério. Portanto, podem os países da região - com toda a legitimidade - agir diplomaticamente para dissuadir o coronel Hugo Chávez de completar seu projeto totalitário - e, se não conseguirem, isolar o seu regime da comunidade hemisférica.