Título: 'Quanto menos provocados, melhor'
Autor: Brandt, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/06/2007, Nacional, p. A20

O mais conhecido sertanista brasileiro, Sydney Possuelo, que se encontra na Europa, para proferir palestras, destacou-se, no passado, pela sua habilidade no contato com os índios isolados. Hoje, no entanto, ele defende a idéia de que quanto menos contato, melhor para eles.

Como o sr. vê a questão do contato com os índios isolados?

Acho que devem ter suas terras resguardadas, assim como os princípios de sua cultura. Quanto menos forem provocados pelo Estado, quanto menos obras forem feitas no seu território, melhor. Eles não formaram anticorpos ao longo de sua história e não tem resistências às moléstias que ainda não conhecem. Mas não é só isso: quando entram em contato conosco e têm proximidade com nossos bens, nossa alimentação, vestuário, começa a ser introduzida entre eles uma série de problemas que não têm condições de resolver sozinhos. É por causa disso que, depois de contatados, eles precisam da assistência do Estado, na área da saúde, na demarcação das terras, na busca de caminhos para a sobrevivência. Para mim, tanto antes quanto depois do contato, o papel do Estado é muito importante na preservação dos povos indígenas. O Estado tem o dever histórico de proteger, de amenizar os impactos que causamos a esses povos.

O sr. acha que esse papel do Estado tem sido adequadamente cumprido no atual governo?

Não. Principalmente na área da saúde, tem sido uma coisa horrível. No Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas, fronteira do Brasil com o Peru, índios de várias etnias estão desesperados por causa de uma doença, a hepatite, que atingiu um grau terrível entre eles. É um problema antigo. Eles já chegaram a pedir ajuda ao exterior. Na época em que eu ainda estava na Funai, foi montada uma equipe, com médicos da Alemanha e do Sul do Brasil, para cuidar do assunto. Foram importados equipamentos, eu coloquei dois barcos nossos à disposição para o trabalho de coleta de sangue para análises. Mas a Funasa, com a ajuda da Justiça, mandou parar tudo, porque cuidar da saúde dos índios era coisa da competência dela. É uma lástima: a Funasa não faz e briga com quem quer fazer. A conclusão dessa história, só para citar um exemplo, é que a situação só tem se agravado no Vale do Javari.

O sr. saiu da Funai em meio a uma polêmica sobre demarcação de terras indígenas. Como vê essa questão atualmente?

O que você espera de um governo que acha que os projetos de desenvolvimento devem ser tocados a qualquer custo? No qual o presidente faz uma declaração dizendo que os obstáculos para o crescimento sãos as procuradorias de Justiça, os ambientalistas e os povos indígenas? E ainda tem a história do antigo presidente da Funai, o homem chamado para defender os interesses dos indígenas, que achava que os índios tinham terra demais no Brasil.

O sr. esperava mais do governo Lula?

Com certeza. Nunca pertenci a nenhum partido, mas em todas vezes em que ele se candidatou, eu votei nele. Achava que tinha uma excelente história. Pela sua história, por ter sentido na pele o que é uma vida dura e difícil, eu pensava: esse homem vai olhar pelos indígenas.