Título: Funai encontra índios de tribo que havia se isolado faz 57 anos
Autor: Brandt, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/06/2007, Nacional, p. A20
Um grupo de 87 índios mentuktire do qual não se tinha notícia havia 57 anos fez contato há uma semana com caiapós que vivem em comunidade com o homem branco, no norte de Mato Grosso. Eles abandonaram a terra onde moravam, no sul do Pará, e migraram em busca de proteção. O grupo jamais havia tido contato com homens de outra cultura ou mesmo se aproximado de índios que com eles tenham convivência.
É o primeiro registro que se tem de uma migração em massa de índios que viviam isolados na selva e por iniciativa própria buscaram a aproximação com regiões urbanizadas. A Fundação Nacional do Índio (Funai) acredita que eles foram vítimas de garimpeiros ou madeireiros, que invadiram suas áreas e chegaram a matar alguns deles.
O primeiro contato ocorreu na quinta-feira da semana passada. Segundo o presidente da Funai, Márcio Augusto de Meira, os mentuktires (um dos vários subgrupos de caiapós) são da mesma família da tribo do cacique Raoni, que desde 1950 passou a conviver com o homem branco, no norte de Mato Grosso. Nesse processo de contato, parte deles recusou a aproximação e fugiu rumo ao norte.
Desde então, viviam isolados no sul do Pará, numa terra indígena já homologada pela Funai chamada Menkragnoti. ¿Eles foram considerados pelos caiapós do antigo grupo como desaparecidos; achavam que eles tinham morrido vítimas de alguma epidemia¿, conta Meira. A Funai, apesar de considerar a existência deles, nunca fez contato.
Nos últimos meses, os caiapós da tribo de Raoni, chamada Capoto/Jarina, informaram à Funai que índios desconhecidos chegaram próximo de seu território e emitiram sons e sinais, mas sem fazer contato visual. Na quinta-feira da semana passada, jovens índios da terra de Capoto/Jarina avistaram numa mata próxima à aldeia dois índios que fizeram contato. Eram os mentuktires que consideravam desaparecidos.
¿Eles disseram que os dois índios estavam assustados, mas como falam o mesmo dialeto pediram ajuda¿, explicou o presidente da Funai.
Entre sexta-feira e domingo, chegou o restante do grupo, que acampou a um quilômetro da aldeia de Capoto/Jarina. Segundo os relatos dos índios à Funai, eles estão muito assustados, mas também emocionados com o reencontro de parentes. ¿Desde o fim de semana eles estão dançando e cantando¿, disse Meira.
Os contatos são feitos apenas por alguns caciques da Capoto/Jarina. O principal interlocutor tem sido o cacique Megaron Txucarramãe, que mora na aldeia, mas é também o administrador regional da Funai em Colíder - cidade mais próxima da área.
PEREGRINAÇÃO
Os relatos são de que o grupo caminhou por cinco dias, cerca de 100 quilômetros, até chegar a Capoto/Jarina. Vieram homens, mulheres e crianças. O grupo era de 86 pessoas, mas uma índia deu à luz uma criança na quarta-feira, já no acampamento.
¿Não sabemos se podem chegar mais índios, ou mesmo se parte deles ficou na antiga aldeia¿, explicou Elias Bigio, da Coordenação de Grupos de Índios Isolados da Funai. ¿É um fato completamente inusitado.¿
Para facilitar a aproximação e como mostra de boa receptividade, Megaron solicitou à Funai que enviasse miçangas coloridas, facões e machados para oferecer aos índios, pois são objetos de alto prestígio entre os caiapós.
O grupo tem a mesma fisionomia dos caiapós da aldeia de Capoto/Jarina. São altos, com cabelos longos até a cintura, e alguns usam botoque - ornamento redondo de madeira, introduzido no lábio inferior. Não há ainda registros fotográficos da tribo, mas foram feitas gravações dos cantos pelo cacique Megaron e enviadas para a Funai. ¿Vamos aguardar qual será o resultado dos contatos para saber o que fazer¿, explicou Meira.