Título: Controladores e pilotos são réus no caso do vôo 1907
Autor: Tavares, Bruno
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/06/2007, Metrópole, p. C1

A Justiça Federal de Mato Grosso (MT) acatou ontem a denúncia do Ministério Público Federal contra dois pilotos americanos e quatro controladores de tráfego aéreo envolvidos no maior acidente aéreo do País. A partir de agora, os seis são considerados réus no processo criminal que apura as responsabilidades na colisão entre o jato Legacy e o Boeing 737-800 da Gol, em 29 de setembro. Todos são acusados de ¿atentado contra a segurança de transporte aéreo¿, com agravante pelas 154 mortes.

Horas após o anúncio da decisão judicial, a Associação Brasileira de Controladores de Tráfego Aéreo (ABCTA), entidade que representa os profissionais militares, divulgou nota recomendando a seus afiliados que ¿sigam de maneira incondicional as normas e procedimentos previstos, e não assumam responsabilidades maiores que já lhes são exigidas¿. Foi a primeira reação da categoria depois da conclusão do inquérito da Polícia Federal e da opção do Ministério Público Federal de denunciá-los.

O boletim da ABCTA faz três alertas aos controladores, todos referentes a condições de trabalho e condutas a serem seguidas em caso de panes nas freqüências de rádio e detecção dos radares. Em outubro de 2006, no mês seguinte à tragédia, os controladores de Brasília realizaram uma operação-padrão alegando os mesmos pontos. O protesto foi o estopim da crise aérea, que paralisou os principais aeroportos do País e se arrasta até hoje.

A primeira audiência do processo criminal está marcada para 27 de agosto. Será o interrogatório dos pilotos do Legacy, Joseph Lepore e Jan Paul Paladino. No dia seguinte, será a vez de os sargentos da Aeronáutica Jomarcelo Fernandes dos Santos, Lucivando Tibúrcio de Alencar, Leandro José Santos de Barros e Felipe Santos dos Reis serem ouvidos. Por ter sido o único denunciado por crime doloso (com intenção), Jomarcelo pode pegar até 36 anos de prisão. Os demais réus estão sujeitos a penas de até 4 anos.

Em despacho de 14 páginas, o juiz substituto da Vara de Sinop (MT), Murilo Mendes, defendeu o julgamento na Justiça comum. Em princípio, previa-se que os controladores, por serem sargentos da Força Aérea, seriam processados somente na Justiça Militar. ¿O problema relacionado com a competência não poderia ser apreciado, sob pena de esse juízo incorrer em desrespeito à decisão da Corte Superior de Justiça¿, escreveu o magistrado, citando uma decisão anterior do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o assunto.

Para Mendes, a única possibilidade de o caso ser enquadrado como crime militar seria a alegação de que as aeronaves estavam ¿em lugar sujeito à administração militar¿. Embora o espaço aéreo seja militarizado, diz ele, as aeronaves eram civis. ¿As condutas praticadas pelos controladores não se dirigiram contra nenhum militar nem contra a instituição militar¿, alega o juiz substituto. Além disso, o crime de ¿atentado contra a segurança de transporte aéreo¿ não encontra correspondência no Código Penal Militar.

O advogado Fábio Tomás de Souza, que defende os quatro controladores, discorda. ¿É uma aberração jurídica. Trata-se de uma questão estritamente militar.¿

RÉUS

O QUE DIZ A DENÚNCIA SOBRE CADA UM

Jomarcelo Fernandes dos Santos: absteve-se dolosamente de corrigir a altitude do Legacy e deixou de adotar as providências para falha de transponder. Omitiu-se quanto ao risco do acidente

Lucivando Tibúrcio de Alencar: violou regras que regem o exercício da profissão de controlador, negligenciando procedimentos previstos para os casos de falha de comunicação e de transponder

Leandro José Santos de Barros: como Felipe Santos dos Reis e Lucivando de Alencar, deixou de evitar os riscos que culminaram no acidente e na morte de 154 pessoas

Joseph Lepore: conduziu a aeronave de forma equivocada e em desconformidade com o plano de vôo. Manteve altitude de vôo reservada para o avião que vinha em sentido contrário

Jan Paul Paladino: ao lado de Lepore, conduziu o Legacy equivocadamente e desativou, por imperícia, o transponder. Não observou diversos sinais de desligamento exibidos no painel.